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A vice e o teto de vidro das mulheres candidatas
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

A vice e o teto de vidro das mulheres candidatas

Embora os partidos sejam espaços dominados por homens, é indispensável para as legendas a conquista de um eleitorado majoritariamente feminino: como convencer as mulheres de que elas são importantes se elas não podem, na prática, ser candidatas?

A campanha eleitoral começou há poucos dias, mas, após os primeiros debates, já temos definido o tom da disputa entre os candidatos ao cargo de prefeito de Fortaleza: será uma eleição exclusivamente masculina, temperada por muitos ataques e trocas de ofensas. A ausência de uma mulher nas cabeças de chapa merece análise, porque mostra o quão difícil é consolidar a representatividade feminina nos postos de decisão. Essa ausência tem efeitos nefastos - e o baixo nível do debate que amargamos até agora é uma prova disso.

É possível notar uma dissociação entre o que os partidos praticam como cultura interna e o que a sociedade deseja. De um lado, temos brasileiras cada vez mais amadurecidas para sua importância como sujeitos políticos, desenvolvendo uma visão própria do poder. Do outro, partidos ainda alheios a essa mudança, engessados por uma cultura arcaica. Essa
contradição provoca um curto-circuito eleitoral.

Embora os partidos sejam espaços dominados por homens, é indispensável para as legendas a conquista de um eleitorado majoritariamente feminino: como convencer as mulheres de que elas são importantes se elas não podem, na prática, ser candidatas? Para atenuar a impressão de exclusão, os partidos recorrem a um artifício simbólico que já perde a força pelos próprios vícios na sua utilização: a indicação de uma mulher como vice. Como já pude escrever em artigo publicado neste espaço em 2018, essas candidatas são eleitas para lugar nenhum, na medida em que desempenham um papel quase que irrelevante nas tomadas de decisão.

Digo isso com todo respeito pelo posto de vice-liderança. Uma vice ou um vice são importantes na composição de uma gestão. Mas a escolha das candidatas ao posto secundário tem sido pouco espontânea, é antes um show de dominância dos caciques. O que vemos, analisando a história das chapas desta eleição, é um protagonismo feminino pouco expressivo: a ascensão das vices não é orgânica, mas resultado de uma escolha à porta fechadas tomada por poucos. Uma fala de Eudoro Santana em debate com Domingos Filho veiculado na Rádio O Povo CBN durante a semana foi um indicativo sutil desse quadro: na ocasião, o líder do PSB afirmou que Gabriela Aguiar era a preferida de Camilo Santana em razão de seu perfil mais alinhado aos resultados de pesquisas qualitativas realizadas pelo partido.

Não é um problema exclusivo dessa chapa e permeia a prática de todas, à direita e à esquerda. A história partidária, a trajetória de ativismo político, a competência e a ressonância com a base tornam-se triviais: ao "escolher" a mulher desejável para vice o que se elege é um conjunto de qualidades femininas que podem ser exploradas por um bom marketing para acenar para as eleitoras.

Uma mulher só pode ser considerada uma liderança política se ela, de fato, participar do processo de tomada de decisão, influenciando pessoas, contribuindo de forma determinante para o estabelecimento de prioridades, sendo protagonista da mudança. Por isso, é urgente que pensemos sobre como os partidos têm tapeado as mulheres, aproveitando oportunisticamente um desejo legítimo de participação na forma de uma presença esvaziada. n

 

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