Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
No dia 7 de setembro de 1822, o Brasil nasceu como estado nacional independente. Adquiriu, pois, autonomia para administrar o território e seu povo, com todas as implicações daí decorrentes: produção e aplicação da lei, proteção militar das fronteiras, organização da burocracia administração, arrecadação de receitas públicas através de tributos, controle da economia através da emissão da moeda, etc. Por sua associação simbólica com a liberdade, é uma data importante: um território antes anexado ao reino português descoloniza-se, passa a gerir seu próprio destino sem a tutela de um explorador europeu.
Deveríamos pensar na data como uma oportunidade para refletir sobre os sentidos da colonialidade e sobre as heranças que nos ficaram da ocupação portuguesa. Isso porque o "Brasil", como produto de um processo histórico, não existe antes da chegada do primeiro colonizador. Esse estrangeiro que chega às praias não está dedicado ao conhecimento do outro, é antes um viajante em busca da expansão de uma empresa comercial que necessita de fontes inesgotáveis de novos recursos para extração. Visto sob essa expectativa, nosso território foi antes de tudo uma mina de recursos naturais e minerais valiosos, explorados com auxílio de uma mão-de-obra desumanizada pela escravidão.
Esse país que nasce depois de séculos de história violenta é a terra de um racismo visceral, com desrespeito permanente à dignidade dos povos indígenas e às pessoas negras; é também a terra da confusão entre público e privado, que torna o estado uma vítima fácil a ser capturada por interesses particulares; é o lugar de uma promessa mítica que jamais será realizada: a de ser um país do futuro, no dizer de Stefan Zweig.
É curioso que nenhum desses aspectos seja ressaltado no dia de hoje. Míopes, orgulhosos de uma identidade mistificada do Brasil como terra da alegria e da harmonia das raças, vimos a data ser transformada numa espécie de pantomina militar, onde desfiles cívicos, canhões festivos e paradas fardadas distraem uma população pouco educada nas próprias origens. Capturada pelo ufanismo militar, o 7 de setembro se esvaziou, nublando o sentido profundo do que significa se emancipar, do que significar lutar contra o domínio de um colonizador.
São esperadas para hoje manifestações agendadas pela direita mais conservadora. O inimigo público que lhes apetece hostilizar no momento é um ministro do Supremo Tribunal Federal que proferiu decisão necessária para manter resguardada a soberania nacional e o respeito à lei brasileira. Na terra das contradições, não deixa de ser curioso observar o emburrecimento dessa direita que desloca para uma visão equivocada de liberdade individual a sua preocupação, no momento em que a soberania do país se vê ameaçada por um bilionário com interesses coloniais.
Uma lição que deveríamos ter aprendido com a colonização é a de que não há liberdade sem Direito justo e sem autoridade independente que o faça valer. Em terra onde a lei é mera sugestão, ser livre significa muito pouco: talvez a possibilidade de reunir meia dúzia em praça pública para um selfie ou para proferir bobagens que ninguém se ocupa de ouvir. n
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