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O apocalipse não tarda e arde
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

O apocalipse não tarda e arde

Como explicar que, em uma das maiores bacias hidrográficas brasileiras, o estado precise prover água para uma população de ribeirinhos com sede? Como explicar a deformação dos peixes causada pela contaminação de metais pesados oriunda de atividades de mineração?
Tipo Opinião

A opinião pública não costuma se sensibilizar com o tema das emergências climáticas, e reage mal a notícias de desastres ambientais. Sem entender que o equilíbrio de tudo que vive é interligado, e que a existência humana está condicionada à preservação das outras formas de vida, a maioria das pessoas ignora a gravidade do aumento sensível da temperatura global, das estiagens prologadas que tornam deserto rios amazônicos, dos incêndios criminosos que deixaram boa parte do território brasileiro sujeito a uma chuva de fuligem e a uma névoa de fumaça.

A crise, contudo, não poupa ninguém, e até os mais indiferentes negacionistas já podem sentir os seus efeitos. Basta lembrar o episódio que, há poucos dias, roubou a cor azul do céu de Fortaleza, quando queimadas na África e na Amazônia deixaram uma aparência de céu nublado sem que pudéssemos dizer que estava bonito para chover. Sem cobertura vegetal, secam nascentes, a aridez se agrava, a qualidade do ar se torna irrespirável pela falta de umidade e pela imundície acumulada em resíduos em suspensão.

Esse o cenário de um apocalipse: a do esgotamento dos recursos vitais, a da disputa pelo mínimo existencial. Porque sentiremos sede, os pulmões sofrerão pela falta de ar, a comida ficará cada vez mais escassa, perderemos a diversidade de formas de vida e de beleza que traz cor ao mundo. A existência será reduzida ao sofrimento, e entenderemos que já não haverá o que acumular - o dinheiro perderá importância, porque a escassez nos empobrecerá ao limite.

Não há exagero nas minhas palavras: basta um olhar atento aos eventos trazidos pelo noticiário. A imagem da cachoeira mineira sem água, a dos animais queimados por incêndios provocados por criminosos difusos, a das pessoas comuns que lotam os hospitais com problemas respiratórios. Como explicar que, em uma das maiores bacias hidrográficas brasileiras, o estado precise prover água para uma população de ribeirinhos com sede? Como explicar a deformação dos peixes causada pela contaminação de metais pesados oriunda de atividades de mineração?

Os especialistas em clima estão apavorados, como relatou o cientista Carlos Nobre em entrevista recente. É mais rápido do que se imagina, e qualquer esforço de recuperação exige tempo - um tempo de que não dispomos.

Devemos nos perguntar o que podemos fazer para reagir a tanta insanidade e responder à crise do clima. Como podemos, na qualidade de cidadãos, nos engajar em uma trajetória de mudança e de construção de sustentabilidade como cultura de produção e preservação. Essa mudança passa por duas transformações: a dos hábitos cotidianos e a da nossa capacidade de sofrer e, assim, cobrar as autoridades. É preciso se indignar ante os absurdos próximos: ao modo como as copas das nossas árvores são vandalizadas todos os dias, às construções cada vez mais escandalosas e danosas à cidade, à poluição de nossa orla pelo esgoto.

O futuro pede que despertemos para essa agenda, colocando-a no centro de nossa atenção: sem meio ambiente equilibrado, todo resto perde sentido, importância, prioridade, porque já não estaremos aqui, porque nossas obras serão perdidas para a fome e o fogo.

 

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