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As bets e a ameaça à economia nacional
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

As bets e a ameaça à economia nacional

O crime organizado despertou o interesse para as bets como forma de esquentar o dinheiro de origem ilícita. Como não há maior controle de quem aposta e quanto aposta, é fácil dar uma aparência de legalidade à lavagem de dinheiro
Tipo Opinião

Tanto o Governo Federal quanto o Parlamento são corresponsáveis por um grave erro: a ampla legalização das bets no Brasil. Esse é um problema social que se arrasta - e se agrava - há seis anos. Em 2018, ainda no governo Michel Temer, aprovou-se a Lei Federal Lei 13.756/18, que tornou as apostas uma atividade legal no Brasil, equiparando-as à loteria e autorizando sua exploração comercial tanto pela iniciativa privada quanto pelo setor público.

Até este ano, a atividade acontecia à revelia do estado, sem qualquer tipo de regulamentação ou fiscalização mais criteriosa. Isso explica por que o crime organizado despertou o interesse para as bets como forma de esquentar o dinheiro de origem ilícita. Como não há maior controle de quem aposta e quanto aposta, é fácil dar uma aparência de legalidade à lavagem de dinheiro. Com o algoritmo viciado, em parceria com algumas empresas de aposta mal intencionadas (não se pode generalizar, nem ignorar que o problema acontece), criminosos aplicam milhões, em pequenas apostas pulverizadas, que retornarão à origem como dinheiro lícito, através de prêmios direcionados.

Um outro problema também se colocou e exige uma ação enérgica: o endividamento da população de baixa renda pelo vício em jogos, um vício alimentado e multiplicado por meio de propaganda em redes sociais feita por influenciadores digitais contratados pelas bets. Os influenciadores ganham muito dinheiro, em comissões por cada aposta feita, sem que haja qualquer garantia de que o jogo tenha auditabilidade, que o algoritmo não seja viciado para fazer o apostador perder. Só em agosto de 2024, foram aplicados 3 bilhões oriundos do programa do Bolsa Família em apostas. A proibição para o uso desses recursos em aposta já está sendo desenhada pelo governo - e se coloca, com razão, como medida urgente.

Em 2023, o parlamento aprovou a lei 14.790/23, regulamentando as bets no país, o que contribuiu para a ampliação do mercado, com a introdução de novas empresas. Os leitores podem se perguntar como uma atividade tão perniciosa socialmente entrou no campo de atenção do governo Lula, que trabalhou para a aprovação. A resposta é simples: o interesse tributário. A percepção de que a atividade poderia render uma receita vultuosa de arrecadação fez o governo Lula acordar para a oportunidade de incrementar o caixa, reduzindo o déficit fiscal que pressiona a equipe econômica.

Foi um erro grave. Gleisi Hoffmann afirmou: "foi como abrir as portas do inferno", o que evidencia como tanto parlamentares quanto gestores ignoraram a escala do risco de deixar uma população despreparada à mercê de um mercado brutal e tóxico, de interesse nacional irrelevante. As autoridades de diferentes instituições começam a se movimentar para conter os danos. Uma audiência pública já foi marcada no STF, governo e parlamentares ensaiam contenções das normas já aprovadas.

A atenção é devida, pois a questão das bets, estratégica e prioritária, é de saúde pública, de preservação da economia nacional. Precisamos entender que nem todo dinheiro arrecadado vale a pena: a receita que vem das bets é cara, insalubre, e encaminha o país para a pobreza futura.

 

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