Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
É natural que, neste espaço onde sempre conversamos sobre política, também se possa escrever sobre cansaço e desencanto. Alguns dias depois da eleição inquestionável de Donald Trump, todos aqueles sinceramente dedicados ao florescimento de uma cultura democrática forte continuam a se fazer a mesma pergunta: o que fizemos de errado? Como é possível que propostas tão contrárias à cultura política ocidental possam ganhar tanto terreno? Não se pode dizer que a preocupação é exagerada: o que os americanos fazem impacta em todo o globo.
Explicações sérias e bem intencionadas cuidam de mostrar que o problema passa também pelo efeito destrutivo do cansaço - e pelo ódio, rancor e ressentimento que advêm dele. Uma classe trabalhadora abandonada à própria sorte, mergulhada num mundo do trabalho cada vez mais precarizado, mal sobrevive. Adoecida, constantemente pressionada pela carência dos serviços mais básicos, é uma classe que vê com desconfiança soluções que passam pela continuidade do modelo que os maltrata, ela vota com fé em alguma mudança.
A política do presente é, portanto, marcada por uma epidemia de esgotamento em múltiplas frentes. O cansaço com o estado, vivido como desconfiança com suas instituições, procedimentos e modelos. O cansaço daqueles que, pleiteando algum nível de reconhecimento de sua dignidade, são apontados como responsáveis pela derrota eleitoral - pessoas negras, mulheres, imigrantes. Não, a culpa não é do que se convencionou chamar, erroneamente, das demandas "identitárias": buscar a realização do direito à vida e à liberdade de quem não tem é o imperativo mais básico de qualquer organização democrática.
Na busca de compreensão das possíveis explicações para a conjuntura atual, de crise da democracia representativa liberal, voltamos nossa atenção para um tema que ficou negligenciado no debate das últimas décadas: a história e a evolução do capitalismo. Para Nancy Fraser, o capitalismo é mais do que uma forma de organização da produção econômica, o capitalismo é um quadro geral a partir do qual o mundo se organiza - ele atravessa não só as relações produtivas, mas também a cultura, as subjetividades, nossa interação com a natureza e com o futuro. É preciso pensar nas dinâmicas políticas que o capitalismo produz e como corrigi-las para o bem comum.
É um debate que não caberia nos limites de um único artigo. Voltaremos a ele muitas vezes. Por ora, ainda sob efeito desse imenso desencanto, que convida à evasão e à fuga, chamo atenção do leitor para o exemplo de dignidade que testemunhamos com o fim das eleições americanas. Joe Biden, Kamala Harris, Alexandria Ocasio-Cortez, Elisabeth Warren são lideranças que precisaram falar para uma multidão de atemorizados. Assumiram a tarefa com serenidade, para dizer: "não há outro caminho, continuaremos a luta".
Evocando uma reflexão da escritora estadunidense Maya Angelou, Biden lembrou que, na vida, podemos vivenciar algumas derrotas, mas jamais nos dar por derrotados. A democracia pede uma boa dose de resiliência, comprometimento e coragem. Eu não poderia pensar numa lição mais preciosa diante de tempos que se anunciam difíceis - e sombrios.
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