Logo O POVO+
Discutir o trabalho é a vocação da esquerda
Foto de Juliana Diniz
clique para exibir bio do colunista

Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Discutir o trabalho é a vocação da esquerda

O que foi, a princípio, definido por atores políticos como uma "ideia estapafúrdia", acabou por ganhar tal adesão popular que parlamentares passaram a ser cobrados por seus eleitores para subscrever a PEC que muda a jornada de trabalho
A deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) é autora da PEC que prevê o fim da escala 6x1 e a redução das horas trabalhadas por semana (Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil A deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) é autora da PEC que prevê o fim da escala 6x1 e a redução das horas trabalhadas por semana

Em meu último artigo, comentei que um dos temas fundamentais para o debate contemporâneo é a discussão sobre o capitalismo e seus efeitos sobre a vida comum. Afirmar que o capitalismo precisa ser debatido é sempre uma armadilha: muitos leitores torcerão o nariz, imaginando que se trata de uma discussão ingênua, de um academicismo estéril, como se o capitalismo fosse uma realidade indiscutível, um valor a ser defendido com unhas e dentes.

A questão é mais complexa. Não se trata de decidir se podemos optar ou não pelo capitalismo como quem escolhe uma peça de roupa, é antes um chamado para avaliarmos o modo como nossa vida está organizada, quais são nossas prioridades, nossa relação com a natureza, o trabalho, a educação, a saúde e a cultura. Discutir essas questões é uma forma madura de debater capitalismo, e também um chamado para pensarmos no que podemos fazer em termos de ação corretiva de um sistema que está muito doente e que é causa de muita instabilidade social e política.

Durante a semana, tivemos uma prova do quão fundamentais são essas questões para a maioria das pessoas. Um engajamento vigoroso da opinião pública foi responsável por viabilizar uma proposta de emenda à constituição sobre a jornada de trabalho no Brasil, almejando o fim da escala de 6x1. O que foi, a princípio, definido por atores políticos como uma "ideia estapafúrdia", acabou por ganhar tal adesão popular que parlamentares passaram a ser cobrados por seus eleitores para subscrever a PEC. O número mínimo de assinaturas foi alcançado para que o projeto fosse encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e deve, agora, ser objeto de apreciação mais séria pelo Congresso Nacional.

Foi interessante perceber como o assunto evoluiu ao longo dos dias. Visto, a princípio, com descrença pela classe política, a pauta ganhou força para além dos limites da "bolha" de Brasília porque toca numa questão que afeta o cotidiano do brasileiro, uma questão que faz diferença no modo como sua vida está sendo vivida. Trata-se, em suma, de um debate fundamental sobre o direito ao tempo para viver - entendido o viver como a possibilidade do descanso, do lazer, da convivência familiar, da educação e da cultura.

É um debate de fácil compreensão, que toca em questões sensíveis como a ética do trabalho e da distribuição da riqueza. É justo que o trabalhador suporte uma escala de trabalho desumana para que certo equilíbrio dos lucros se mantenha? Quem deve ser responsável pelo equilíbrio de uma atividade econômica? Qual é o papel do estado na regulação da economia, e qual é o limite do que uma empresa pode exigir do trabalhador em uma relação de trabalho? Os políticos de direita foram encurralados porque, para defender a manutenção da escala atual, acabaram por afirmar que a conta é do trabalhador. Uma opção que não é difícil de entender por aqueles que os elegeram e se sentiram traídos.

A esquerda reagiu rápido ao baque das últimas eleições, pautando um debate público verdadeiramente importante e com potencial de ganho para quem mais precisa. Resta saber se ela saberá utilizar essa pauta em prol de um resgate da confiança da classe trabalhadora.

 

Foto do Juliana Diniz

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?