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O tempo da justiça e o da política
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

O tempo da justiça e o da política

Simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro insistam na tese de que o trabalho investigativo está viciado por interesses políticos, mas é indiscutível a robustez das evidências reunidas pela polícia, após quase dois anos de cuidadosa apuração
Cúpula militar teme que o cerco se feche para o general Paulo Sérgio 
 (Foto: Reprodução/ X- Central Política )
Foto: Reprodução/ X- Central Política Cúpula militar teme que o cerco se feche para o general Paulo Sérgio

O acontecimento político da semana foi a revelação de novos detalhes de um plano para tomada violenta do poder no Brasil em dezembro de 2022, logo após a eleição que elegeu Lula presidente. Desdobramentos da investigação levaram à prisão de quatro militares de alta patente e ao indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, assim como o do candidato a vice em sua chapa, o general Braga Neto. Os detalhes revelados pela imprensa são chocantes e dão conta do planejamento do assassinato político dos eleitos e do presidente do TSE à época, o ministro Alexandre de Morais.

Embora simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro insistam na tese de que o trabalho investigativo conduzido pela Polícia Federal e acompanhado por STF e por Ministério Público seja viciado por interesses políticos, é indiscutível a robustez das evidências reunidas pela polícia, depois de quase dois anos de cuidadosa apuração. O inquérito, agora concluído, segue para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia dos envolvidos, depois de verificada a autoria dos fatos, sua materialidade e a medida de sua gravidade - e somente com os detalhes colhidos na investigação essa verificação é possível.

A inquietação da opinião pública e a ansiedade com a responsabilização dos envolvidos são compreensíveis, porque os fatos são graves demais para ficarem impunes. Qualquer perspectiva de uma anistia parece descabida e perigosa, considerando as ameaças que três dezenas de militares ofereceram à democracia brasileira. O grupo não só planejou minuciosamente uma tomada de poder, como colaborou para atos de agitação de militantes que culminaram na depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.

Não se pode dissociar o 8 de janeiro de 2023 dos atos que aconteceram na surdina, em dezembro de 2022, quando se pretendia a eliminação de pessoas para tomar o poder. Em 8 de janeiro, testemunhamos um acontecimento de violência que jamais devemos esquecer e que acompanhamos com transmissão ao vivo pela televisão, graves não só pelo prejuízo material, mas pelo símbolo de destruição que deixou.

Embora a responsabilização seja necessária, é fundamental que a justiça respeite o seu tempo, porque o processo criminal tem um ritmo mais lento que a arena da política. Para que a eventual condenação e o cumprimento da pena sejam legítimos e íntegros, todos os cuidados formais devem ser respeitados: o devido processo legal é um princípio democrático por excelência, e nos lembra que a justiça não se confunde com a vingança. O julgamento por juízes imparciais, a garantia da ampla defesa e do contraditório, assim como a exigência de uma sentença bem fundamentada são condições para qualquer pena preserve seu potencial de pacificar o sofrimento social provocado pelos crimes praticados.

Que a necessidade legítima de respeito às formas legais não se confunda com uma morosidade excessiva, que torna sem efeito qualquer pretensão de punição. Respeitar os ritos da justiça não significa perder de vista o fim. Alcançar esse equilíbrio no controle do tempo é, talvez, o maior desafio imposto por esse processo ao Judiciário e à sociedade. n

 

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