Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
A demora de meses para o anúncio do plano de redução de gastos do governo federal já indicava o quão difícil pode ser a tarefa de compatibilizar a agenda voltada à redução das desigualdades com o compromisso com a responsabilidade fiscal. Indecentemente desigual, o Brasil é um país muito rico, conduzido por um estado poderoso, que reproduz um histórico secular de exclusão. Otimizar o desempenho desse estado é um imperativo, do mesmo modo como é um imperativo que o estado assuma o trabalho de combater a desigualdade.
Não irei, neste artigo, avaliar a qualidade do pacote - especialistas em contas públicas podem fazê-lo melhor. Cabe a eles mensurar o quanto teremos de economia efetiva, se as propostas são exequíveis, sérias, consistentes. Também não tenho interesse em discutir o movimento especulativo do mercado. A expectativa de redução de gasto passa pela diferenciação clara do que é despesa causada pela ineficiência daquilo que é investimento estratégico no futuro - nesse ponto, nossas prioridades enquanto país podem ser radicalmente diversas daquelas de investidores interessados, sobretudo, na maximização de seu lucro. Por isso, quase nunca o mercado é um bom conselheiro no que se refere à construção de valor e riqueza social.
A reflexão que desejo propor ao leitor é outra, sobre a razão de existir do Estado. Para que o Estado serve? O que o Estado deve fazer? Essa são perguntas que têm respostas políticas, que precisamos ser capazes de responder. Tudo que faremos em termos de decisão, avaliação de política pública e cobrança de governantes depende disso.
A resposta a essa pergunta conduz, por sua vez, a um debate primordial sobre justiça, e, logo, sobre ética. É justo que alguns tenham muito, abundantemente, e outros tenham muito pouco, em termos de condições materiais de vida? Se o leitor aceitar a premissa de que a riqueza que se tem é a medida da capacidade de trabalho individual, ele há de ficar tranquilo com a existência dos muito pobres. Sua pobreza é causada por sua falta de empenho, enquanto a riqueza dos ricos é o fruto de sua dedicação. Essa noção, tão simplista, permeia o imaginário de muita gente - por isso uma certa aversão ao pedinte, tomado por preguiçoso pouco trabalhador.
Quando se complica um pouco a análise da vida, entendemos que o excesso de riqueza pode ser sinal de um desequilíbrio e não a recompensa justa pelo trabalho desempenhado. O acúmulo é interpretado, assim, como prova de uma desvantagem competitiva que precisa ser reequilibrada para que a sociedade inteira ganhe, porque só se pode acumular muito (muito mesmo) à custa de todo o coletivo. É justo que seu sacrifício enriqueça o outro?
É nesse ponto que o estado entra em jogo. Se julgarmos a desigualdade como prova de nosso fracasso ético enquanto sociedade, precisaremos de um estado que promova a redistribuição. Que cuide, que eduque, que garanta o alimento, a moradia. Para isso, não há milagre, é preciso investimento, é preciso "gasto". Antes de avaliar o pacote, deve o leitor se fazer essa pergunta: qual é a medida de justiça? Sem uma noção clara do que é justo, qualquer opinião sobre o gasto é uma mera leviandade.
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