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Um país de muito gasto e pouco compromisso
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Um país de muito gasto e pouco compromisso

Parece difícil que um Ministro da Fazenda tenha condições reais de, sozinho, corrigir os rumos do uso inadequado do dinheiro público. O único recurso de que o governo pode se valer é a pressão da opinião pública, diante dos absurdos que o país tem de testemunhar
MINISTRO da Fazenda, Fernando Haddad, esclareceu pontos do pacote (Foto: Diogo Zacarias/ Divilgação/ Ministério da Fazenda)
Foto: Diogo Zacarias/ Divilgação/ Ministério da Fazenda MINISTRO da Fazenda, Fernando Haddad, esclareceu pontos do pacote

Não tem sido trivial a pressão especulativa que os agentes do mercado, auxiliados pelo Banco Central, têm empreendido em relação ao governo. Os efeitos são impactantes e geram uma reação em cadeia: um câmbio em patamares exorbitantes, alimentado pela percepção irreal de crise, contribui para a piora dos índices inflacionários, que, por sua vez, levam o banco a aumentar os juros, um dos mais altos do mundo, na busca de uma recessão econômica.

O que o mercado espera do governo que ele não apoiou? Quer o controle de gastos, um ajuste fiscal. Não pode haver tarefa mais ingrata e impossível para um Ministro da Fazenda no Brasil, considerado o pior trabalho do mundo.

Impossível porque, por mais bem intencionado que seja um governo, ele há de lutar contra práticas de parasitismo institucional muito arraigadas, reproduzidas nas estruturas e produtoras de muitos privilégios. Menciono duas resistências que estão mais na pauta do noticiário: o vício das emendas parlamentares sem controle e o vício dos super salários de corporações poderosas como o Poder Judiciário.

O Poder Legislativo brasileiro conheceu no governo de Jair Bolsonaro uma liberdade incomparável para gastar. Acostumou-se à farra das emendas parlamentares sem controle, de modo que, quando, já no mandato de Lula, tentou-se corrigir a loucura de desperdício de tanto dinheiro público, o Congresso se rebelou.

O Supremo Tribunal Federal tem tentado estabelecer regras claras para uso do dinheiro, mas os parlamentares estão desconfortáveis com a obrigação de prestar contas. Ameaçam inviabilizar a votação do pacote de cortes de gastos e a aprovação da reforma tributária.

Uma chantagem pura e simples, que também se aproveita do momento de fragilidade de saúde do presidente. Pressionado, o governo já liberou alguns bilhões nas últimas semanas e deve liberar mais uma montanha de recursos até o dia 31 de dezembro.

Não fica por aí. Durante a semana, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o Judiciário não tem contribuição no problema fiscal brasileiro. A frase é chocante pelo que revela não só de alienação mas de dificuldade de autocrítica institucional.

Há pelo menos duas frentes em que o poder judiciário colabora - e muito - com o desequilíbrio das contas: no excesso de penduricalhos e vantagens inexplicáveis que inflam os salários dos juízes muito além do teto constitucional e na parcimônia desmedida de decisões judiciais pulverizadas impondo despesas que desorganizam qualquer planejamento orçamentário.

Um pouco de senso de responsabilidade com um problema que perpassa toda a máquina pública seria esperado, especialmente quando se pede que o sacrifício seja, em alguma medida, compartilhado.

Parece difícil que um Ministro da Fazenda tenha condições reais de, sozinho, corrigir os rumos do uso inadequado do dinheiro público. O único recurso de que o governo pode se valer é a pressão da opinião pública, em reação aos absurdos que o país tem de testemunhar, protagonizados por suas autoridades. Só essa cobrança nos permite ter alguma esperança de que, de fato, o país pode ser mais eficiente, racional e bem administrado em seus gastos.

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