Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Gostaria de convidar o leitor a um passeio neste último artigo do ano de 2024. Em breve, janeiro se anunciará com toda sua energia de recomeço. O fim do ano pede uma reflexão sobre o que somos e no que temos nos transformado, uma autocrítica sincera. O que foi e no que se tornará Fortaleza? O leitor me acompanha, como quem sai para uma caminhada no calçadão da beira-mar e seus arredores?
Começo o passeio levando os olhos para o alto: foi anunciado mais um arranha-céu no Meireles, que se erguerá num terreno onde, no passado, funcionou um clube dos oficiais da Marinha. Li que será o mais alto prédio da cidade, com mais de uma centena de metros e mais de uma centena de apartamentos, como um imenso acortiçado recoberto de porcelanato e vidros.
Sua construção ultrapassa o limite de altura previsto para o bairro onde será fincado, mas, em Fortaleza, permite-se hoje ultrapassar os limites em troca do pagamento de alguns trocados à prefeitura, um instrumento chamado de outorga onerosa. Compra-se o solo que o plano diretor nega e com isso vai-se embora toda a utilidade de um plano diretor. Que se possa flexibilizar a lei em troca de dinheiro não diz um tanto sobre nossa cidade e sobre como nos relacionamos com a terra que pisamos?
Continuo o passeio para trazer o leitor para perto de uma outra construção, que tenho acompanhado diariamente. O arranha-céu não começou ainda a ser erguido, primeiro ele se dá como ruína. Ocupará uma esquina e demolirá um predinho charmoso, de formas coloniais, chamado Edifício Martha.
Era uma edificação especial e simpática, baixa, de seis apartamentos, localizada na rua Silva Jatahy. Hoje é uma espécie de esqueleto, porque sua demolição acontece lentamente, começando com a extração de suas ferragens, janelas, telhados e todos os detalhes que lhe davam uma graça especial. Restam apenas as paredes e as janelas devassadas, que nos permitem ver o seu interior vazio. Deve vir totalmente abaixo nos primeiros dias do ano.
A grande construtora que edificará uma torre de mais de quarenta andares no lugar já começou o trabalho e acorda cedo a vizinhança retirando os escombros, produzindo uma poluição sonora difícil de tolerar. Levantou os tapumes que delimitam o terreno e avançou sobre um pedaço da largura da calçada que se tem para caminhar, tornando-o seu.
Esse detalhe, o estreitamento da área pública destinado ao pedestre, também é revelador do quanto permitimos que seja retirado gratuitamente de nós, porque Fortaleza é uma cidade que não cuida de seu pedestre, que não convida ao passeio e à experiência livre da cidade.
Poderíamos seguir caminhando, apontando nas esquinas as nossas perdas diárias, as individuais e as coletivas, pensando na força destrutiva que as atividades urbanas sem fiscalização têm, porque a cada edifício Martha que se vai, perde-se um pouco de Fortaleza e em seu lugar vemos nascer uma cidade em que não nos reconhecemos, uma grande Dubai excludente, devastada pelo mau gosto e pelo dinheiro mal empregado.
Será possível reagir aos que distribuem os arranha-céus? Que 2025 nos ajude a lembrar da importância do céu, das calçadas e dos nossos passeios livres à beira-mar.
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