Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
É um pouco assustador constatar o quanto a vida das mulheres depende do arbítrio de alguns poucos homens em posições de poder. Essa constatação pode ser feita tanto em razão das notícias domésticas quanto pelo que nos chega de informação de muito longe. Gostaria de estabelecer uma relação entre dois exemplos recentíssimos para situar os leitores e enfatizar a importância de continuarmos a discutir, já nos primeiros dias de 2025, o problema da desigualdade de gênero.
A primeira notícia dá conta da dificuldade de regulamentação administrativa dos procedimentos para interrupção da gravidez em meninas vítimas de abuso sexual; a segunda, revela a proibição pelo Talibã, no Afeganistão, da construção de janelas em ambientes ocupados por mulheres. Os assuntos estão mais próximos do que uma leitura apressada pode sugerir. Vejamos como, no Ocidente ou no Oriente, somos reféns do arbítrio político e precisamos construir alternativas para deixar o sol entrar.
No dia 23 de dezembro passado, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovou uma resolução que fixa diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes em caso de aborto legal. São meninas que engravidam em decorrência de violência sexual e que, com base na lei, têm o direito de interromper a gravidez se for o seu desejo. O conselho, um órgão de composição mista, estabelece normas que possam orientar, de forma uniforme, os serviços de atendimento de saúde, evitando a revitimização em um momento tão delicado de vulnerabilidade.
O conselho, órgão de composição mista, é integrado por 28 conselheiros, sendo 13 deles indicados pelo governo federal. Numa decisão definida pelo presidente do conselho como "surpreendente e inusitada", os 13 representantes do governo votaram contra a resolução, que acabou sendo aprovada com os votos dos outros membros do colegiado. A posição do governo, tão contraditória, tem uma explicação fácil: trata-se de um gesto para agradar grupos evangélicos ultraconservadores que transformaram a pauta do aborto, irresponsavelmente, em bandeira de engajamento fácil. Para acenar à bancada evangélica, o governo abriu mão de contribuir com a proteção de um direito legítimo assegurado pela legislação há décadas: o direito da mulher de não gestar o filho de seu violador.
A radicalidade da intransigência dos evangélicos radicais não difere muito da postura de alguns grupos políticos de orientação muçulmana como o Talibã. É preciso não confundir o islamismo, como religião, das leituras radicalizadas que justificam a barbárie em nome de Deus. No Afeganistão, as mulheres já haviam sido proibidas de falar ou cantar em público, e a possibilidade de frequentar a escola se tornou, tão logo os americanos fugiram, uma miragem. Agora, proíbem-se as janelas e o sol.
Precisamos entender que o debate sobre opressão de gênero não está cansado, não é desimportante, é um ponto central de qualquer reflexão séria sobre democracia no mundo contemporâneo. Ignorá-lo sob pretexto de focar na economia e na pobreza é um dos maiores erros estratégicos que a esquerda poderia cometer em um mundo cada vez mais desigual, violento e sombrio. n
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