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A polêmica do Pix além do óbvio
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

A polêmica do Pix além do óbvio

Uma forma simplória de responder seria pelo caminho que parte dos políticos da esquerda encampou: a culpa é da máquina de fake news de influenciadores da direita. Se é certo que a desinformação teve papel importante, ela não explica tudo
MINISTRO Fernando Haddad e o presidente Lula (Foto: RICARDO STUCKERT/PR
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Foto: RICARDO STUCKERT/PR MINISTRO Fernando Haddad e o presidente Lula

A crise em torno da instrução normativa que ampliava o acesso da Receita Federal a informações sobre movimentações financeiras realizadas por PIX e cartão de crédito rendeu uma derrota dura para o governo. Foi um revés importante porque fez prova do quanto o flanco digital está dominado pela direita, de como o campo da esquerda tem dificuldades de disputar território quando a batalha é de narrativas sobre fatos políticos e do que isso representa em termos eleitorais.

Por que o governo perdeu feio, sendo levado a recuar? A resposta não é simples, e nos dá um bom indicativo das expectativas das pessoas em relação ao Estado - um debate que vale, porque toca na própria base que move a política. Ao contrário do que se pode pensar, não se trata de uma "histeria coletiva" apenas calcada na mentira, mas de uma atitude do brasileiro que manifesta um nível de consciência interessante sobre justiça fiscal. Afinal, por que a opinião pública reagiu com tanta força?

Uma forma simplória de responder seria pelo caminho que parte dos políticos da esquerda encampou: a culpa é da máquina de fake news de influenciadores da direita. Se é certo que a desinformação sobre a taxação do pix teve um papel importante, ela não explica tudo.

A reação foi enfática porque as pessoas entenderam claramente que a instrução normativa tinha o objetivo de ampliar a arrecadação do governo, aumentando o campo de vigilância da Receita Federal. A ideia, segundo o ministro Fernando Haddad explicou, era alcançar uma parcela da classe média e grandes contribuintes que movimenta mais do que ganha e que, por suposição, deve estar sonegando renda não declarada.

Em um país onde já se paga muito imposto, em que uma parte importante da população está na economia informal na luta pela sobrevivência e onde a sonegação não é vista como uma falta grave, a ideia de cair na malha fina da Receita Federal cai muito mal, assusta, gera um temor legítimo, porque a consequência é pesada. O político de esquerda dissociado da realidade vai dizer: só o sonegador deve ter medo. E aí está o problema: o "preocupado" em questão não é um sonegador milionário, é todo um estrato da população.

É simplista associar a tolerância à sonegação com uma espécie de desvio moral do brasileiro. Não podemos esquecer do quanto a economia contemporânea precariza o trabalho e estimula a informalidade; também não podemos esquecer que o brasileiro sabe bem que uma parte importante da arrecadação de tributos escoa para desvios de corrupção. A ideia de se sacrificar mais para bancar as emendas parlamentares não é lá muito popular, especialmente quando se pensa que a injustiça tributária penaliza os mais pobres e raramente taxa os mais ricos.

A reação social mostra, mais do que a vulnerabilidade absoluta à chamada máquina de fake news, uma convicção do brasileiro: ele não está disposto a pagar mais tributos do que paga, e o governo precisa conter seu ímpeto arrecadatório. É uma certeza que me parece legítima e que deveria estar no radar de um campo político que precisa ganhar espaço em setores da sociedade que, nos últimos anos, resolveu votar em quem prometeu menos estado e mais liberdade.

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