Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
As declarações de Donald Trump sobre a Faixa de Gaza provocaram perplexidade. O choque vem pela clareza com que ele manifesta suas intenções atentatórias ao Direito Internacional, pela confiança com que desafia a comunidade internacional. Muitos reduzem a gravidade de suas falas, afirmando que as declarações são uma "bravata" e estão no campo do inexequível.
Apesar disso, o conforto de defender a ideia de "limpar" Gaza através do deslocamento forçado de um povo para fundar uma nova Riviera americana no Oriente Médio deveria nos fazer pensar. Que tipo de mundo é este em que afirmações dessa ordem são possíveis?
Os palestinos de Gaza podem ser definidos como um povo abandonado à própria sorte. É trágico que, justamente nesse momento em que a ordem política internacional seja tão questionada, tenhamos um exemplo cruel do risco que é abdicar do Estado, enquanto estrutura política de proteção.
Sem liderança, sem fronteiras que assegurem um território, sem exército e sem economia, os palestinos sobrevivem graças à extraordinária tenacidade humana ante à crueldade e à tirania.
Foi Bruno Latour quem escreveu: "ao menos as coisas estão claras: não existe mais o ideal de mundo compartilhado por aquilo que até então chamávamos de Ocidente". Esse mundo compartilhado a que se refere o filósofo, morto em 2022, é justamente o mundo que tornou crime políticas como as sugeridas por Donald Trump. Um mundo onde o valor ético chave é o dever de proteção da pessoa humana, em razão do reconhecimento de sua dignidade fundamental.
Como princípio ético transformado em base das ordens jurídicas, a dignidade humana impõe algumas consequências e obrigações. A primeira é o postulado de uma igualdade radical entre todos os viventes, sejam eles palestinos, israelenses ou americanos. Se todos temos, de forma intrínseca, um valor que nos garante o direito de viver e florescer, não é possível sustentar a primazia de nenhum povo em face de outro. Israelenses não têm legitimidade para matar dezenas de milhares de pessoas em nome do combate ao terror. A vida de cada criança, cada mulher, cada idoso, cada homem jovem vale, é inviolável, se impõe como limite ético-jurídico.
Diz a Declaração Universal de Direitos de 1948: "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo". Esse ideal, que, em tese, é o norte moral do Ocidente, já não pode ser reconhecido como um consenso. A cada nova truculência, a cada nova brutalidade que testemunhamos, sepulta-se mais fundo a esperança de uma ordem internacional fundada na defesa da pessoa e da dignidade.
O leitor se perguntará se é possível fazer algo. Contra a política de morte, só a política tem alguma chance: uma condução pragmática, inteligente, estratégica, que mine o apoio popular a um presidente tresloucado. Talvez seja o próprio Trump que ofereça o caminho de reação, ao impor uma guerra comercial kamikaze. A economia, afinal, explica o surgimento do princípio da dignidade humana, assim como indica os caminhos para sua preservação rumo a um futuro cada vez mais incerto.
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