
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Governos democráticos dependem de muitas condições, mas, sobretudo, de estabilidade para sobreviver. Isso significa: normas duradouras, ritos que se repetem sem sustos, atores respeitosos com a institucionalidade, instituições orientadas por um rigoroso princípio da impessoalidade. Com isso, concilia-se uma ambiguidade: disputas de valores e projetos de diferentes grupos sociais provocam "crises" pontuais que, contudo, são bem absorvidas por sistemas políticos resistentes. As crises se sucedem, mas o sistema se mostra perene, o que explica o entendimento do modelo democrático como um modelo de administração da instabilidade.
O Brasil é um bom exemplo disso. Nossa constituição vigente foi produzida num contexto de redemocratização e nasceu de um pacto social amadurecido. Levou quase dois anos para ser aprovada e contou com uma participação extremamente plural em seus quadros. Se críticas podem ser feitas, não se pode deixar de reconhecer que foi, de todas as nossas constituições, aquela que mais assegurou direitos e ampliou o espaço de proteção social. Mais do que isso, é uma constituição que tornou o país muito tenaz para suportar crises políticas: basta analisar o punhado de animações que marcam as últimas três décadas, do impeachment de Collor à tentativa de golpe de Jair Bolsonaro.
O leitor pode se perguntar que tipo de ameaça uma democracia amadurecida enfrenta, sobretudo nos tempos atuais. Dentre elas, podemos indicar a aparição de uma figura populista carismática inflada por uma crise econômica, como Donald Trump nos Estados Unidos. Com pouco mais de um mês de governo, o presidente americano já foi capaz de demonstrar, para todo o mundo, o quão destrutiva é a instabilidade para a confiança das pessoas não só nas instituições como no seu próprio futuro. E o pior, está fazendo isso no país que se vangloria de ser o berço da democracia no mundo.
A instabilidade provocada por Trump se dá como incerteza quanto à novidade do dia seguinte. Com um voluntarismo pouco racional, até kamikaze, o presidente americano tem oferecido um punhado de exemplos de como um presidente eleito pelo voto com alto índice de aprovação inicial, sem oposição parlamentar fortalecida, pode erodir a confiança num sistema político maduro.
O que vemos é um certo pânico provocado pela sensação de caos, seja pela política econômica tresloucada e contraditória aos interesses de seu país, seja pela reforma administrativa com pouco critério, que produz uma leva de demissões sem reflexão sobre os impactos na continuidade dos serviços públicos essenciais, seja pela suspensão de financiamento dos mais diferentes programas, como os de ajuda humanitária ou de financiamento de pesquisas de universidades privadas. A destruição é rápida, enquanto a reestruturação é incerta e levará muito tempo.
O exemplo americano deve nos ensinar sobre o valor da previsibilidade na política, sobre a importância dos ritos e das leis. O fato de que podemos confiar na institucionalidade mais do que nas personalidades. A maior qualidade de uma democracia é a de que um presidente, por mais amado que seja, passa e pode ser, para o bem de todos, substituído. n
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.