Logo O POVO+
Gleisi Hoffmann e as lições de misoginia
Foto de Juliana Diniz
clique para exibir bio do colunista

Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Gleisi Hoffmann e as lições de misoginia

.O último feito da ministra se deu há dias: o milagre de ter viabilizado a aprovação do orçamento de 2025 antes do fim de março. Hoffmann mostra que ser mulher na política não é só difícil, é uma prova diária de sobrevivência em um país em tudo hostil a cada uma de nós
Tipo Opinião
 Gleisi Hoffman (PT) (Foto: Gustavo Bezerra)
Foto: Gustavo Bezerra Gleisi Hoffman (PT)

Quando Gleisi Hoffmann foi anunciada como nova ministra de relações institucionais, uma infinidade de críticas repercutiram nos maiores veículos de imprensa. Acusaram-na de incapacidade para o cargo, que exige bom trânsito parlamentar e capacidade de diálogo, insistiram que a personalidade excessivamente aguerrida da presidente do Partido dos Trabalhadores cairia como uma bomba na débil articulação do governo. O episódio oferece uma oportunidade única para observarmos o que significa ser uma mulher na política.

Chamo atenção do leitor para os detalhes do episódio. Gleisi Hoffmann chegou para substituir Alexandre Padilha, colega de partido que passou a ocupar o Ministério da Saúde após exoneração de Nísia Trindade há alguns dias. Padilha foi um articulador extremamente criticado durante os dois anos em que ocupou o posto. Não tinha boa relação com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira e amargou derrotas na tentativa de construir uma base estável para o governo. Refém das emendas, o governo passou a angariar apoio "a prestação", projeto a projeto, o que tornou a tarefa de articulação ainda mais desafiadora e difícil.

Lembro o leitor sobre o antecessor de Gleisi porque não deixa de ser curioso que um ministro tão criticado pelo seu desempenho seja premiado com uma pasta de peso, a da saúde, cuja ministra foi afastada justamente por suposta falta de êxito. A tolerância com a má performance dele não é trivial: Nísia Trindade, assim como outras mulheres na política, só alcançam alguma perenidade quando seu desempenho é excepcionalmente superior ao de seus pares homens.

Gleisi Hoffmann, uma política muito experiente, foi a escolhida por Lula para ocupar o cargo de um ex-ministro mal avaliado, e já chegou ao cargo com sua competência colocada em xeque, apesar de suas credenciais. Por que a dúvida, considerando a biografia de Hoffmann? Sua tenacidade à frente da sigla que preside em um dos momentos mais difíceis da história do maior partido de esquerda do país, seu protagonismo no Parlamento, mesmo que, por vezes, pouco pragmático? Se um Padilha pode ocupar o cargo sem dramas, qual a razão para tanta dúvida sobre Gleisi? A reatividade ao seu nome revela mais sobre misoginia e do que sobre a habilidade da ministra.

Foi ela, afinal, a vítima do mais recente e tosco episódio de machismo estrutural do parlamento brasileiro. Depois de uma lamentável declaração muito machista de Lula, que afirmou tê-la escolhido por ser uma mulher bonita, a ministra viu um oportunista deputado Gustavo Gayer (PL) sugerir um trisal entre o companheiro da ministra, deputado Lindberg Farias (PT) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (UB).

A tenacidade e a habilidade política da ministra já deram os primeiros frutos. Algumas pautas importantes destravaram, assim como o diálogo interinstitucional, e elogios passaram a ser ouvidos pelos corredores das casas legislativas. O último feito da ministra se deu há dias: o milagre de ter viabilizado a aprovação do orçamento de 2025 antes do fim de março. Hoffmann prova que ser mulher na política não é só difícil, é uma prova diária de sobrevivência em um país em tudo hostil a cada uma de nós.

 

Foto do Juliana Diniz

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?