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Os autocratas e seu ódio às universidades
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Os autocratas e seu ódio às universidades

Um dos flancos de ação do governo de Donald Trump é o enfrentamento às universidades. É evidente o esforço de desmantelar as redes de financiamento das instituições de ensino superior como forma de chantageá-las
Alves Ribeiro ingressou na Universidade norte-americana, Harvard em 1853 e ao concluir seus estudos retorna ao Brasil.  (Foto: Research Gate / Reprodução)
Foto: Research Gate / Reprodução Alves Ribeiro ingressou na Universidade norte-americana, Harvard em 1853 e ao concluir seus estudos retorna ao Brasil.

Desde janeiro, temos acompanhado com atenção os principais acontecimentos políticos dos Estados Unidos, seja por seu potencial de impacto na ordem econômica mundial, seja pela chance de aprendizado que esses experimentos oferecem. Uso a palavra experimento porque, assim como defendi na semana passada, acredito que muitas das decisões tomadas por Donald Trump podem ser qualificadas de antiliberais, estressando de forma inédita os limites de tolerabilidade da cultura americana. Por sua excepcionalidade, por sua intensidade, constituem um experimento histórico com potencial de replicação em outros países.

Um dos flancos de ação do governo de Trump é o enfrentamento às universidades. É evidente o esforço de desmantelar as redes de financiamento das instituições de ensino superior como forma de chantageá-las. De acordo com o presidente dos EUA, caso as universidades não permitam uma interferência governamental em suas gestões, os recursos destinados ao financiamento de pesquisas serão congelados, o que ameaçaria a colheita de frutos do trabalho científico de anos.

Se vimos, com um certo assombro, a capitulação da Universidade Columbia, Harvard foi firme na resistência ao assédio governamental. Há poucos dias, foram noticiados dois fatos importantes: uma carta assinada pela autoridade máxima da instituição recusando-se a aceitar os termos estabelecidos e a decisão da universidade de processar o governo a fim de evitar o congelamento do repasse dos dois bilhões previstos de financiamento.

A obsessão com as universidades é muito frequente no padrão de atuação da extrema direita. Vistas como espaços indomesticáveis e estratégicos, tanto pela sua liberdade como pelo seu potencial de influenciar a opinião pública, as escolas de ensino superior são alvos fáceis de discursos de ódio dirigido aos seus intelectuais. Eleitos como inimigos públicos, os professores são apontados como elementos subversivos cuja atuação deve ser rigorosamente vigiada e controlada pelo Estado. A experiência da Alemanha nazista em relação a seus professores é estranhamente similar a alguns acontecimentos do presente, como ilustra o magistral romance Juventude sem Deus, de Ödön von Horváth, de 1938. Uma semelhança que deveria nos deixar alarmados.

É importante ressaltar que a origem das universidades remonta a um período em que a sociedade, cansada do monopólio do conhecimento pela Igreja Católica, resolveu fundar um espaço marcado justamente pela liberdade para o pensamento, a crítica e a investigação. Isso não significa baderna: poucos espaços são tão metódicos e rigorosos quanto os espaços acadêmicos reservados à pesquisa científica. Qualquer estudante de pós-graduação é capaz de atestar o peso desse rigor.

O que torna essas instituições tão importantes é seu potencial para estimular o exercício da capacidade de pensar e agir com autonomia. Por sua força, as universidades continuarão a ser assediadas por ditadores enquanto eles existirem. Por sua tenacidade, seguirão demonstrando que a negação da liberdade humana é um projeto fadado ao insucesso. Por isso eles passam e caducam, enquanto elas permanecem, senhoras em sua dignidade.

 

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