
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Durante a semana, o Supremo Tribunal Federal determinou o início da execução da pena do ex-presidente Fernando Collor, condenado por corrupção na Operação Lava Jato. Ele teria intermediado a realização de contratos com a BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobrás, em troca do recebimento de propina. Depois de muitos anos de processo, o tribunal considerou que seus últimos recursos tinham finalidade de retardar o cumprimento da pena e ordenou que o ex-presidente fosse preso, o que ocorreu horas depois.
A prisão domiciliar foi solicitada pela defesa quase que prontamente. Com idade avançada, doente de Parkinson e afetado por outras condições sensíveis, Collor tem o direito a solicitar uma prisão domiciliar humanitária, quando se considera que a permanência no ambiente carcerário é excessivamente insalubre e agravante das condições de saúde do apenado. A rapidez com que o pedido foi analisado e deferido causou um certo choque e deixou uma percepção muito forte de que, no Brasil, a lei pode ser severa ou doce, a depender do réu e da qualidade técnica dos advogados envolvidos na sua defesa.
O caso pede uma análise cuidadosa. Um dos pilares de um estado democrático é a ausência de privilégios entre as pessoas. Um igualitarismo de base, que implica que quaisquer diferenças de tratamento e regime jurídico previstas nas leis devem ser justificadas de forma proporcional e equânime. A maioria das pessoas pensa se tratar de uma previsão de igualdade meramente formal, uma simples previsão normativa de que todos são iguais, sem distinções. Para que faça sentido como princípio estruturante, a igualdade deve ir muito além, deve também dizer respeito ao modo como as instituições se comportam em relação às pessoas.
Um dos traços mais perversos da desigualdade brasileira se dá via seletividade judicial. A percepção de que o Poder Judiciário não trata a todos com base nos mesmos parâmetros, que pode modular sua severidade, sua celeridade, sua presteza, a depender da qualidade do réu, da natureza do processo, de quem advoga e para quem advoga. Aquele que conhece a face mais terrível da justiça é bem conhecido, tem raça, tem gênero, um perfil socioeconômico muito claro, e em geral é assistido como muita dificuldade por uma Defensoria Pública cuidadosa, mas assoberbada de processos e trabalho.
Não é uma ingenuidade populista alimentar a expectativa de que todo brasileiro possa receber um tratamento tão célere quanto recebeu o ex-presidente Fernando Collor. Que haja um equilíbrio muito compassivo na aplicação da lei e que o juiz conceda ao réu os benefícios que a lei lhe assegura. A realidade ainda está distante.
Chamo atenção do leitor para um caso interessante, o do Habeas Corpus coletivo impetrado em favor das presas provisórias gestantes ou lactantes. Por todo Brasil, milhares de mulheres ainda são indevidamente recolhidas no ambiente carcerário quando a lei lhe assegura prisão domiciliar, no melhor interesse da criança. Por que a Justiça tão complacente contra um ex-presidente corrupto é incapaz de aplicar a lei com técnica e cuidado quando o que está em jogo é o bem-estar de grávidas e crianças recém-nascidas?
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