É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro
É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro
O projeto de lei 1904/24 que nasceu o PL do aborto, mas depois se transmutou em o PL do estuprador, patenteou a misoginia da extrema direita que agora está nua, sem máscara e maquiagem. Maioria em um Congresso que é tido por muitos constitucionalistas como o pior Congresso da história do Brasil, a extrema direita revela uma obstinação desenfreada em tornar realidade um projeto que deixa para trás qualquer rastro de civilização.
O PL 1904/24 deflagrou revolta e muita indignação, sobretudo nas mulheres. Aqueles sentimentos foram catalisadores da potência política armazenada nas mulheres. A última vez que assistimos os diques se romperem foi no movimento “ele não” contra o então presidente Bolsonaro. No cenário ruidoso causado pelo PL, o silêncio do presidente Lula era gritante, uma demonstração de fragilidade do governo, refém de um congresso sabotador. No decurso da semana passada, perguntei-me sobre como, onde e quando a política brasileira se transformou nessa barbárie? Não há resposta pronta e infalível.
A política, como tudo que envolve poder, é uma rede complexa. Entretanto, eu avalio que o neoliberalismo enquanto ideologia e forma de governo preparou o caminho pelo qual passamos a ver os outros como concorrentes e depois caímos um degrau a mais e passamos a enxergá-los como inimigos. O ódio ao outro, a crise na capacidade de pensar a política a longo prazo, somadas ao desemprego e piora das condições de vida deram sinal verde para grupos da extrema direita.
As crises de diferentes matizes ensejaram a proliferação de fundamentalismos políticos e religiosos que, como uma alavanca, trazem ao mundo pautas e projetos políticos que têm em comum a opressão sobre as minorias sejam indígenas, mulheres ou população LGBTQIA+. O jogo político descortina cenários imprevisíveis.
Penso que Arthur Lira e companhia não imaginavam que mulheres invadiriam as ruas, exercitando o tão sagrado direito de reunião. Eu me emocionei, pensei nas meninas violentadas que podem também vir a ser criminalizadas. Lembrei da música “Que país é este?”. A propósito que país é este que elegeu um Congresso que, diante de tantos problemas que assolam mulheres e crianças, escolhem se dedicar a um projeto tão vil quanto o PL 1904/24?
Em nenhum momento pensam na integridade psicológica de meninas estupradas, e em suas múltiplas vulnerabilidades. Que futuro terão essas meninas? Meninas que não tiveram acesso à educação sexual e não foram protegidas pelos seus familiares, meninas que abandonam a escola e reproduzem o círculo de pobreza no qual nasceram.
É lamentável constatar também a indiferença e inércia de muitos homens e até de mulheres que erroneamente pensam que estão imunes à letalidade da extrema direita; é hora de rompermos com a fragmentação das lutas ou corremos o risco de um dia acordarmos como que no poema intertexto de Bertolt Brecht que finaliza dizendo: “Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.
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