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Política institucional está se transformando em território inóspito
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É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro

Kalina Gondim comportamento

Política institucional está se transformando em território inóspito

A violência política de gênero torna o exercício do poder político algo penoso e desgastante e o ambiente parlamentar um terreno inóspito para mulheres
Tipo Opinião
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) proferiu falas machistas contra a senadora Janaína Farias (PT)  (Foto: André Lima/CMFor e Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Foto: André Lima/CMFor e Edilson Rodrigues/Agência Senado O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) proferiu falas machistas contra a senadora Janaína Farias (PT)

Semana passada, o ex-ministro Ciro Gomes virou réu na Justiça Eleitoral por ofensas à senadora Janaína Farias. O caso reacendeu debates em torno da violência política de gênero. Este ano, a Lei de Cotas criada para aumentar a representatividade feminina na política completará quase três décadas e, apesar do aumento recente de mulheres na política, os números ainda são inexpressíveis.

Para ilustrar a sub-representatividade feminina, aponto que atualmente as mulheres representam pífios 15% das cadeiras da Câmara do Deputados. Entretanto, a tímida presença de mulheres na política institucional trouxe como efeitos colaterais ameaças, humilhações, casos de importunação sexual em pleno exercício parlamentar e episódios de feminicídio político no qual a morte de Marielle Franco apresenta-se como o caso mais emblemático.

Todas as violências dirigidas às mulheres em atividades públicas têm a misoginia como base etiológica. Os discursos misóginos não fazem críticas a projetos e a ideias, eles promovem ataques pessoais às mulheres que atravessam as fronteiras do que foi determinado como papel e lugar social para elas, produzindo rachaduras na hegemonia branca e masculina no campo da política institucional.

A violência política de gênero torna o exercício do poder político algo penoso e desgastante e o ambiente parlamentar um terreno inóspito para mulheres. A finalidade é desencorajar e desestimular candidatas femininas, produzindo nelas uma desidentificação com a política, tornando inevitável a encruzilhada: resistir ou desistir? Muitas optam pela desistência e retiram-se do espaço público e da cena política.

Não à toa, os ataques dirigidos à ex-presidenta Dilma Rousseff eram eivados de estereótipos de gênero que identificam a mulher de modo exclusivo com o espaço doméstico, frases como “Dilma, vai pra casa”, “vai lavar roupa”, “vai vender Jequiti” foram ditas por opositores inúmeras vezes. Apesar da violência política de gênero possuir um alvo por vez, ontem: Dilma Rousseff, Áurea Carolina e Maria do Rosário; hoje: Janaína Farias, esses ataques são uma violência enraizada e sistematizada.

É importante que se diga que a misoginia não é episódica nem algo pertencente à individualidade de alguns homens, o nosso sistema político é misógino e a violência política de gênero, por sua vez, é uma violência a todas as mulheres enquanto grupo social, além de ser um ataque à democracia, pois não podemos falar em democracia quando mulheres são violentadas no exercício do poder e deslegitimadas enquanto sujeitos políticos.

A frágil e inacabada democracia brasileira tem pela frente uma estrutura racista e patriarcal que insiste em interditar mulheres, negros, indígenas e trabalhadores dos debates e decisões públicas. É preciso democratizar o poder.

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