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O que explica o voto dos oprimidos em candidatos que defendem a opressão?
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É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro

Kalina Gondim comportamento

O que explica o voto dos oprimidos em candidatos que defendem a opressão?

O que explica negros votarem de forma maciça em candidatos racistas? Como entender mulheres que defendem e apoiam candidatos machistas e misóginos?
Tipo Opinião
O centenário de Paulo Freire, falecido em 1997, foi celebrado em 19 de setembro de 2021 (Foto: CLÓVIS CRANCHI SOBRINHO/AGÊNCIA ESTADO)
Foto: CLÓVIS CRANCHI SOBRINHO/AGÊNCIA ESTADO O centenário de Paulo Freire, falecido em 1997, foi celebrado em 19 de setembro de 2021

 

Desde o surgimento do bolsonarismo, algumas questões habitam os pensamentos de grande parte dos brasileiros. O que explica negros votarem de forma maciça em candidatos racistas? Como entender mulheres que defendem e apoiam candidatos machistas e misóginos e, por fim, qual a lógica que explica trabalhadores assalariados “fechados” com políticos que defendem a privatização e atacam os direitos trabalhistas e previdenciários? Essas perguntas não são fáceis de responder. A apatia, a identificação do escravizado com seu senhor, bem como a vulnerabilidade humana ante a manipulação e a alienação são fatos históricos.

Ainda no século XVI, Étienne de La Boétie escreveu a obra Discurso da Servidão Voluntária na qual ele tentava mapear as raízes que fazem os indivíduos e grupos colaborarem com a própria servidão, e mais, como gradativamente eles vão naturalizando sua condição servil à medida em que entregam sua liberdade de ser, agir e pensar.

Alguns séculos adiante, mais precisamente no ano de 1968, Paulo Freire lançava a Pedagogia do Oprimido e oferecia argumentos para explicar a relação esdrúxula em que os oprimidos não apenas hospedavam o opressor, mas acalentavam o sonho de tornar-se um deles. Domingo passado, eu passeava em um shopping e resolvi comprar o livro Pobre de Direita, escrito pelo sociólogo Jessé Souza. Nele, o autor aponta os mecanismos que legitimam a desigualdade a partir de uma pedagogia que ensina os excluídos a sentirem-se culpados por sua própria miséria e defendem valores como a meritocracia, por exemplo.

O comportamento político do brasileiro médio parece transitar entre a total indiferença e resignação tal qual o analfabeto político descrito por Bertolt Brecht que, no poema, orgulha-se de dizer que odeia a política. Do outro lado do pêndulo, estão os trabalhadores precarizados, superexplorados destituídos de direitos, de proteção sindical defendendo interesses contrários aos seus, inaugurando o sujeito déspota de si mesmo.

Analisado por Ricardo Antunes, este sujeito dispensa o controle e o comando de outro, vestindo ele mesmo a camisa da opressão. Os trabalhadores precarizados vivem em bairros precarizados e tiveram acesso a uma educação igualmente precarizada que não foi capaz de lhes ensinar qual o lugar deles no mundo, qual o seu lado, enfim, não pavimentaram o caminho que leva ao processo de consciência de classe.

E Paulo Freire nos alertou: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor. Uma estratégia de legitimação desse enorme edifício opressor é tomar as ideias e a visão de mundo da classe dominante como universais e inquestionáveis. Jessé Souza analisa esse fenômeno bem presente no pobre de direita. Contudo, não podemos cair na tentação de culpar os pobres por sua situação de extrema vulnerabilidade ante as ideias sedutoras de meritocracia e empreendedorismo, dada a desigual distribuição de riqueza e de capital simbólico entre os grupos sociais.

Apesar da complexidade que envolve a identificação do oprimido com os seus opressores, La Boétie, Paulo Freire e Jessé Souza parecem encontrar um ponto pacífico na discussão. O primeiro analisou que os tiranos dos séculos passados eram inimigos ferrenhos dos livros e da instrução; Paulo Freire, por sua vez, identifica que o modelo de educação dominante interdita o diálogo, calcado na memorização e reprodução do saber, o ensino não eleva os indivíduos à uma consciência crítica e reflexiva; por último, Jessé de Souza arremata afirmando que o pobre de direita é resultado da precarização em tempos de capital financeiro, de uma educação mínima e de uma mídia controlada por 1% da população.

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