
É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos
É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos
A importância dada às imagens na atualidade traz como consequência a ideia de que elas substituíram as palavras na função de descrever a realidade. A expressão popular que afirma: “uma imagem vale mais que mil palavras” não é absoluta e fidedigna. As palavras gozam de prestígio, onipresença e jamais serão sobrepujadas pelas imagens, ainda que estas venham adquirindo enorme centralidade. O mundo foi e é constituído por palavras, essa invenção humana tem o condão de dar sentido às mais variadas experiências humanas.
Longe de serem neutras e desideologizadas, as palavras conseguem expressar nobres ideias, como bem nos lembra a Revolução Francesa, erguida em torno da tríade Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Infelizmente, em muitas ocasiões, as palavras são utilizadas como veículo de legitimação e sustentação de ideias preconceituosas e estereotipadas. Em contraposição, alguns conceitos atuam com o propósito de desconstruir equívocos, oportunizando reflexões e refutando as palavras que alicerçam projetos desastrosos, substituindo-as por novas palavras que apontam para outras realidades e formas de se pensar a humanidade. É sob esse raciocínio que foram criadas palavras como racismo, machismo, misoginia, sustentabilidade entre outras. Estas têm o papel histórico de serem ferramentas políticas.
Caro leitor, eu fiz toda essa digressão para melhor expressar fatos ocorridos semana passada, que demonstram, de forma inconteste, as disputas políticas em voga, que têm as palavras como foco. Porque, como bem disse Élder Rasband: “As palavras importam”. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou que 197 palavras devem ser evitadas e outras até proibidas de circularem em plataformas e textos do governo. A tática de Trump foi amplamente representada no romance inglês 1984, do autor George Orwell, no qual o governo intentava apagar todo um passado e suas palavras “perigosas”. Ora, o processo de desertificação de palavras tinha, na obra, o intuito de fazer nascer, por meio de outras palavras, novas subjetividades e formas de compreender o mundo. Quanto à lista trumpista, uma das 197 palavras que devem passar por um processo de apagamento são feminismo e feminista.
Na mesma semana, aqui no Brasil, aconteceu a posse da primeira mulher presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Maria Elizabeth Rocha iniciou seu discurso de posse afirmando que: “Sou feminista e me orgulho de ser mulher”. A frase tem um grande peso quando lembramos do preconceito gerado por desconhecimentos acerca do papel político do movimento por igualdade entre os gêneros. O discurso continuou e palavras como patriarcado e androcentrismo foram despontando. Sabemos o quanto o judiciário é ainda conservador e vitrine do privilégio, haja vista a supremacia branca e masculina ainda reinante.
Entretanto, não podemos minimizar a presença e o discurso da primeira mulher a presidir um tribunal que existe há 217 anos. Ao final de sua fala, a presidente concluiu: “Não cheguei sozinha, chegamos juntas”. Lula, por meio de um ato concreto, indicou, no dia 8 de março, a advogada Verônica Esterman para o Superior Tribunal Militar. Maria Elizabeth Rocha, a atual presidente do STM, também fora indicada em 2007 por Lula. Em uma outra ocasião, o presidente teria afirmado que escolheu Gleisi Hoffmann para a Secretária de Relações Institucionais por ela ser uma “mulher bonita”. O que causou grande repercussão na mídia.
Eu, enquanto mulher e feminista, considero extremamente inadequado que se promova uma perseguição a um presidente pelo fato de ele ter feito um elogio à aparência feminina, notadamente quando sabemos do quilate de Gleisi Hoffmann. Vejo com grande preocupação essa espécie de polícia feminista que promove narrativas em torno de pseudoproblemas, descaracterizando e menorizando pautas que promovem a igualdade entre homens e mulheres. O feminismo, ao contrário do machismo, é profundamente dialógico e propositivo, não devendo ser utilizado para promover linchamento público de homens, sejam eles situados nos espectros políticos de direita ou de esquerda.
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