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Por que Sampaio
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

Por que Sampaio

Escrevo engolindo a emoção. Tem gente aqui comigo, agora, e caso a lágrima escorra eu não quero me explicar, apesar de que "estou escrevendo sobre meu avô" seria a resposta perfeita.
Tipo Crônica
Domingos, fins de tarde, sinos tocando. De camisa, calça social, sapatos e perfumado, ele ia para a igreja e me chamava pra ir junto. Paróquia de São João Batista - Tauape. (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Domingos, fins de tarde, sinos tocando. De camisa, calça social, sapatos e perfumado, ele ia para a igreja e me chamava pra ir junto. Paróquia de São João Batista - Tauape.

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Cresci e começaram a usar meu primeiro sobrenome para me identificar. Ele vem da família materna de minha mãe. As tias todas usavam, minha mãe e irmã usavam. Eu cheguei a usar quando precisei afirmar ascendência. Mas eis o paradoxo: eu detestava esse nome. Sempre achei feio e ele me causava incômodo por toda melosidade que colocavam em cima dele. No fim das contas, a sensação era de que o tal nome era de todas elas. Não meu.

Eu poderia ter escolhido o último nome, aquele que representa essa tradição de colocar o nome do pai lá no final como se ele encerrasse alguma coisa. Mas é família de pai e você deve saber como é. Se veem pouco, não há muita intimidade, brigam aqui e ali (agora mais idosos até que pararam um pouco) e mesmo que tenha alguém que você goste, dificilmente teria uma longa conversa com ela. De novo, era um nome mais deles do que meu.

Então um dia descobri que eu era única. Dos dez netos de meu avô materno, somente três tinham recebido seu sobrenome. Eu, minha irmã e a última neta a nascer. Quando soube disso achei o máximo, peguei aquele brinquedinho que vem com uma espécie de lousa e uma caneta metálica, escrevi meu nome completo bem grande e coloquei o Sampaio como o maior deles. Levei pro vô ver. Sentado na pontinha do sofá, ele viu e sorriu.

Goiabeiras, castanhas, doces, bolos, cajuínas. As memórias tem cheiro e sabor.(Foto: Reprodução: Wenderson Araujo)
Foto: Reprodução: Wenderson Araujo Goiabeiras, castanhas, doces, bolos, cajuínas. As memórias tem cheiro e sabor.

Vô era calado, não disse nada nesse dia e nunca tocamos no assunto novamente. Ao ficar meio enevoada pelas perguntas que não pude fazer, lembro das que ele fazia para mim. “Quê que há?” era o seu “tudo bem?”, acompanhado de dois tapinhas nas costas. Ao fim dos domingos era o “Bó pa missa?”. Saber do meu pai ou da escola também eram assuntos que interessavam a ele, então sempre que eu tinha uma novidade corria para contar.

Tem perguntas que minha mãe também não conseguiu fazer. Uma delas era se ele se incomodava de ver todas as filhas exaltando tanto o sobrenome da mãe, e esquecendo o sobrenome dele, na frente dele. Os Sampaio de Guanacés, e ele um dos dezesseis filhos de Isaac e Hilda. Pelo que sei, o motivo seria o relacionamento difícil de todas elas com os irmãos do meu avô.

Não sei se é verdade, não sei nem se me interessa. O que é caro, para mim, é que meu avô me fez única. Ou melhor, minha mãe, que ao pensar nele deu a mim uma identidade. De repente, estou novamente em um paradoxo: não sei de onde nosso Sampaio vem, mas sei que o meu vem de José Benício, aquele que nunca falhou ao atender a expectativa de uma neta à espera de uma ge-ne-ro-sa uma fatia de bolo e que conseguiu, pelo amor, ser imortal. “Eu sei que nome é esse na sua tatuagem, titia”, disse minha sobrinha. “Ah é?”. “Sim, é o nome do seu vovô”.

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