Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história
Foto: Arquivo Pessoal
Eu, Seu Bezerra e Dona Socorro assistimos a trechos do filme "Peões". Eles viram a si, identificaram companheiros da época e compartilharam lembranças daqueles tempos
Nem sempre férias significam descanso. Pra mim, significam a possibilidade de dormir até 10 horas da manhã e dar o gás em projetos pessoais. Um deles é a página @luanasampaio.doc que alimento no Instagram, um espaço onde ensino entusiastas do documentário e realizadores iniciantes a criarem narrativas documentais com segurança e criatividade. Na esteira, a veia acadêmica também se espalha, e dessa vez minha dissertação de mestrado defendida em 2021 se tornará livro.
Estive em Várzea Alegre fazendo a pesquisa desse projeto. Na ida, entre buracos e crateras que fizeram a viagem de seis horas virarem nove, refleti sobre o que encontraria na região. Em Várzea eu iria encontrar os peões do filme “Peões”, documentário de Eduardo Coutinho que põe em cena os metalúrgicos e metalúrgicas que participaram das grandes greves de 1979 e 1980 - mais conhecido como o maior movimento da classe trabalhadora durante a ditadura militar.
O filme é de 2004, mas o livro será de 2025. Encontrei, agora em torno de seus setenta e oitenta anos, Zé Pretinho, Bezerra, Socorro, Zacarias e Ana. Repetindo o gesto do cineasta de sair mostrando as fotos deles e perguntando de ponto em ponto quem os conhecia, fiz do cinema literatura e deles escutei tudo que a memória conseguiu trazer para o presente daquilo que viveram há mais de 40 anos atrás. Uma semana inteira falando do passado rendeu não somente uma pesquisa, mas um encontro que me fez sair de lá me sentindo uma pessoa melhor.
Foto: Arquivo Pessoal
Eu e seu Zacarias, em sua casa, enquanto ele falava de como era o trabalho na fábrica e os amigos que fez
Conta histórias quem as escuta primeiro. Estar presente na partilha das lembranças de cinco idosos militantes foi uma experiência que eu não tinha como medir antes. Seu Bezerra falava cada tesouro que eu logo pegava o telefone pra anotar o que ouvi. Dona Socorro esbanjava coragem. Seu Zacarias tinha cautela e tinha força. Dona Ana era dona de um humor certeiro e seu Zé Pretinho unia sabedoria com calmaria.
Se meu objetivo era conhecer as pessoas sobre as quais passei três anos estudando, descobrir qual posicionamento elas tem hoje, que impressões tem do Brasil de 2024 e se tinham atingido o Brasil que sonhavam em 2002, ele foi lindamente alcançado. E lindamente porque não acredito em fazer pesquisa com pessoas sem ser pessoa com elas. Dona Ana e Dona Socorro fizeram um bolo só pra nós. Seu Zacarias nos levou até seu sítio. Seu Bezerra nos levou na padaria onde vai todos os dias às 5 horas da manhã, Dona Socorro nos apresentou sua família inteira, incluindo dona Querubina, sua mãe, de 94 anos.
Falando com a cunhada de Socorro, ela disse: olhe, se dona Bina gostou de alguém, é porque a pessoa é boa mesmo. Há quem diga em outro lado que tudo isso em nada tem a ver com greves ou documentários. Mas eu digo, não dá mesmo pra fazer greves ou documentários sem gostar de gente, e mais ainda do que elas tem a oferecer e que vai muito além do que você poderia querer.
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