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Do sotaque ao campo: o Fortaleza e a quebra do olhar sulista
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Lucas Mota é repórter de Esportes de O POVO. Estudou jornalismo na Universidade 7 de Setembro e na Universidad de Málaga (UMA). Ganhou o Prêmio CDL de Comunicação na categoria Webjornalismo e o Prêmio Gandhi de Comunicação na categoria Jornalismo Impresso, e ficou em 2º lugar no Prêmio Nacional de Jornalismo Rui Bianchi

Lucas Mota esportes

Do sotaque ao campo: o Fortaleza e a quebra do olhar sulista

O sucesso do Fortaleza na elite do futebol brasileiro é, para muitos, uma surpresa. Como se, em algum lugar, estivesse escrito que a bola só gira corretamente em gramados de Sul e Sudeste
Lucero e Hércules comemoram gol no jogo Fortaleza x Juventude, no Castelão, pelo Brasileiro Série A 2024 (Foto: Davi Rocha/Especial para O POVO)
Foto: Davi Rocha/Especial para O POVO Lucero e Hércules comemoram gol no jogo Fortaleza x Juventude, no Castelão, pelo Brasileiro Série A 2024

Na roleta infinita do TikTok, entre dancinhas, receitas e dicas, surge uma blogueira, deslumbrada, diante da cultura cearense. Ela, nascida em algum canto do Sudeste, está em Fortaleza e, sem cerimônia, começa a falar sobre as “curiosidades” do vocabulário local. De cara, já me assusta. O tom dela é de elogio.

Elenca as gírias, pede ajuda com algumas que não entende ao certo. Conta entusiasmada que o homem cearense só se refere ao outro como "macho". Ou "mah", destacando a abreviação.

É a mulher cearense que fala com a amiga a chamando de "mulher". É a narrativa sobre as gírias e o sotaque numa espécie de vocabulário exótico, quase como se estivesse explorando um safari linguístico.

Elogio? Talvez. Mas, como cearense, o que me parece é que somos parte de uma narrativa pitoresca, que o olhar sudestino insiste em manter. Sim, somos diferentes. Sim, temos sotaque, gírias e tradições. Mas, me pergunto, quando é que esse “elogio” vai parar de soar como uma observação sobre um espécime raro de uma reserva distante?

Belchior bem que dizia: “Eu não sou do lugar dos esquecidos / Não sou da nação dos condenados / Não sou do sertão dos ofendidos".

E o Fortaleza, num contexto de briga por título da Série A, grita isso na temporada do futebol brasileiro. Ainda assim, quando olham para nós, para o time, para a Cidade, é como se estivessem vendo algo surreal, digno de uma crônica sobre o “exótico futebol nordestino”.

O sucesso do Fortaleza na elite do futebol brasileiro é, para muitos, uma surpresa. Como se, em algum lugar, estivesse escrito que a bola só gira corretamente em gramados de Sul e Sudeste.

Quando a mídia nacional resolve falar do Tricolor do Pici é quase sempre um olhar superficial. É o grande trabalho de Juan Pablo Vojvoda no comando técnico da equipe e a gestão responsável de Marcelo Paz nos bastidores. Sim, mas é só isso? E os detalhes do campo, a parte tática, os jogadores, quem pode fazer mais de uma função? As análises nas transmissões mostram, por vezes, um show de desconhecimento.

Mas não há espanto em ser capaz, em ser competente, em ser vencedor. O espanto deveria ser o desconhecimento. A surpresa não deveria ser o o sucesso do Fortaleza no Brasileirão, mas o fato de que, mesmo com anos de evolução, eles ainda nos veem como algo distante, quase inverossímil.

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