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Graças a Deus, é carnaval
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Magela Lima é jornalista e professor do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7), doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Magela Lima opinião

Graças a Deus, é carnaval

O carnaval apara arestas, transgride e controla na medida exata. O carnaval faz as pessoas e os lugares melhores
Pré-Carnaval na Vila Social da Messejana (Foto: Beatriz Belchior - Ascom Sedih)
Foto: Beatriz Belchior - Ascom Sedih Pré-Carnaval na Vila Social da Messejana

No quesito carnaval, eu sou do bloco dos privilegiados. Quando eu nasci, a Unidos do Roçado de Dentro entrava na maioridade, já era tradição absoluta na minha Várzea Alegre. Por sorte, cresci numa cidade onde o carnaval, definitivamente, não é um feriado. Desde sempre, eu entendi que a festa é essa pausa necessária e urgente para uma nova ordem ou desordem. É aquele momento único em que tudo é possível e as pessoas todas podem se reinventar. É triste o sujeito passar pela vida sem um carnaval.

Dona Inezila, minha avó, depois de viúva, espiava o mundo fora de casa duas vezes no ano por vontade própria. Em fevereiro ou março, ela botava reparo na bateria da escola de samba que um abençoado grupo de agricultores inventou para o nosso carnaval e, em agosto, acompanhava de longe a procissão de São Raimundo, que também emprestava seu nome à nossa rua. É uma bênção ter aprendido assim, tão despretensiosamente, que o profano e o sagrado, na verdade, se querem um bem danado.

Criança, às vezes, a gente nem se dá conta do que está sendo ensinado. Quando cresce e percebe que já domina um determinado assunto, a memória entra em cena para revelar os verdadeiros mestres. Eu me encantei pelo carnaval desde pequeno, apanhei muito confete no chão do Creva, o Clube Recreativo de Várzea Alegre, fui Rei Momo mirim da Unidos do Roçado de Dentro. O carnaval é fundamental para eu organizar, ano a ano, minha relação com o mundo.

É sempre um aprendizado extraordinário encontrar nas ruas a opção deliberada pela alegria. Não é todo dia que a vida presta, não. No carnaval, entretanto, ela presta nem que seja na marra. O carnaval aviva o que a gente ainda guarda de comunitário, o carnaval nos faz mais solidários, o carnaval une com muito mais força do que separa. O carnaval de verdade é espontâneo, autor de suas próprias regras. O carnaval não julga ninguém, além dele mesmo.

O carnaval apara arestas, transgride e controla na medida exata. O carnaval faz as pessoas e os lugares melhores. Quem acompanha a vida cultural de Fortaleza nos últimos 20 anos, pelo menos, sabe bem disso. Hoje, a calmaria na cidade já não é mais geral. Viva! Claro, é livre o direito não gostar e fugir da folia. A verdade, porém, é que só são quatro diazinhos de festa e o ano tem 365. Estamos em franca minoria no calendário. Ai, Jesus, nem consigo mais esperar. n

 

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