
Magela Lima é jornalista e professor do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7), doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Magela Lima é jornalista e professor do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7), doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Chamar uma telenovela de "clássico" é quase que uma heresia aos velhos Adorno e Horkheimer. Imaginar um produto fabril esbanjando permanência em meio a um mundo onde tudo passa é o avesso de suas teses. Ousada, a dramaturga Manuela Dias, no ar desde segunda-feira passada na TV Globo com a nova versão de "Vale Tudo" comparou a obra de Gilberto Braga de 1988 a "Édipo Rei", tragédia grega escrita por Sófocles. Sim, com a devida ressalva aos frankfurtianos, "Vale Tudo" é um clássico. Há algo ali que não ficou preso nem fora do tempo. Ao contrário.
Se não faltam exemplos de produções inéditas que já nascem velhas, os clássicos são, na contramão, as velhas obras nas quais o novo não cessa de nascer. "Vale Tudo" foi apresentada originalmente há 37 anos. A novela, anterior à Constituição Cidadã, tinha um acento engajado, militante, que hoje parece estar fora do discurso dos artistas, particularmente os que criam a partir e para a televisão. Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères panfletavam mesmo, entretinham jogando merda no ventilador. A cada registro de desvio de conduta sublinhado, estavam associados, no entanto, o desejo e a crença de mudança iminente.
O Brasil ia ser outro logo ali na esquina, tudo dizia que sim: a nova Constituição ia acabar de vez com a ditadura militar; a população, enfim, ia reencontrar as urnas e, depois de 29 anos, eleger um presidente. Parecia estar absolutamente próximo aquele tal futuro destinado ao nosso país. "Vale Tudo", pois, trazia esse recado, mesmo parecendo dizer o inverso. A trama tinha uma aderência emblemática à realidade da época, muito embora a montagem estivesse longe de funcionar como espelho. Em 1988, a TV colorida não tinha tantos pretos como têm as ruas.
Italo Calvino vai dizer que os clássicos não devem ser lidos por dever ou respeito, mas por amor. É essa força que deve mover o encontro e reencontro com Odete Roitman, Raquel e Maria de Fátima. Comparar, para quem assiste, e copiar, para quem está envolto na produção, é meio caminho para engessar "Vale Tudo" no passado. Manuela Dias há de encontrar um meio para fazer a novela falar do presente e ao presente. "Vale Tudo" só faz sentido hoje se conseguir se manter atual. Aquele sonhado futuro ainda estar por vir. Quem sabe não é dessa vez que a gente chega lá? n
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