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O futebol nordestino e a latinidade
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Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas

O futebol nordestino e a latinidade

Ter um clube cearense pelo quinto ano seguido em uma competição continental, para além de um marco esportivo e histórico, é também político
Tipo Crônica
Taça da Copa Libertadores 2020 (Foto: Staff Images/ CONMEBOL)
Foto: Staff Images/ CONMEBOL Taça da Copa Libertadores 2020

Belchior inicia o verso de sua música de maior sucesso dizendo “Eu sou um rapaz latino-americano”, assumindo-se, antes de se dizer brasileiro ou cearense, que também foi, um latino. Contrapondo uma grande lacuna à grande parte da população brasileira, que é o assumir-se ou mesmo saber-se como latino-americano.

Tal fato traz experiências das distintas colonizações na América Latina. Enquanto todos os demais países foram colonizados pela Espanha, apenas o Brasil foi por Portugal, com idiomas diferentes que impõem uma barreira na comunicação.

As formas de independências influem também no sentimento do povo por sua terra. Os países hispânicos se “fizeram” através de lutas sangrentas, enquanto o Brasil, no cerne, por um acordo político dentro da própria corte portuguesa. Assim, diante da magnitude geográfica e da disparidade econômica que se firmou, o Brasil consolidou um olhar hegemônico diante dos vizinhos, descolando-se e garimpando outras referências para comparar-se, geralmente advindas da Europa ou América Inglesa.

Isso reflete muito na história do futebol brasileiro, onde, até os anos 1990, a Libertadores não era o campeonato mais importante para os clubes daqui, sendo desdenhado inclusive em prol dos Estaduais.

De lá pra cá, muita coisa mudou, e mesmo que haja ainda uma grande barreira invisível em relação à América hispânica, ficamos mais próximos, tanto pela globalização inerente desses dias, como pela firmação de acordos como o Mercosul. No entanto, é o futebol, paixão comum de todos, uma das experiências de latinidade que dia a dia prova-se, permitindo conhecer-nos.

Acompanhamos com entusiasmo, nos últimos anos, a consolidação dos clubes cearenses dentro das competições sul-americanas, inclusive como protagonistas. Desde 2020 temos pelo menos um representante seja na Libertadores ou Sul-Americana, fato inédito a qualquer outro estado do Nordeste. E pensando sobre o futebol ser esse mote para encurtamento de distâncias e experiência in loco sobre a própria latinidade, dos tantos Brasis possíveis a encontro, onde estava o Nordeste antes neste processo?

É uma pergunta que a sua não-resposta diz muito. Não estava. Acabando por aumentar as barreiras já tão cristalizadas, principalmente ao Nordeste, que é a única região do Brasil a não ter fronteiras com nenhum outro país.

Dessa forma, ter um clube cearense pelo quinto ano seguido em uma competição continental, para além de um marco esportivo e histórico, é também político, potencializando a nordestinidade como símbolo de brasilidade e de latinidade. Seguindo esse trilhar, não demorará a dizer-nos aqui pelo Ceará, tal qual Belchior, que antes de tudo (também) somos latino-americanos.

Foto do Mailson Furtado

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