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Multiplicar reações para cristalizar instantes
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Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas

Multiplicar reações para cristalizar instantes

E não venho com saudosismos. Nada de julgamentos. Apenas reflexões como se dão esses dois momentos históricos
Tipo Crônica
Câmera de transmissão no jogo Palestino x Fortaleza pela Copa Sul-Americana 2023 (Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC)
Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC Câmera de transmissão no jogo Palestino x Fortaleza pela Copa Sul-Americana 2023

Começo esse texto com a vista dividida entre a TV, o computador no YouTube, e o celular pipocando notificações no X, Instagram e Grupos de WhatsApp, com reações da torcida, de rivais, de curiosos e da imprensa, logo após o Cruzeiro, aos 89 minutos, empatar o jogo contra o Fortaleza, pela segunda rodada da Série A, justamente depois do time mineiro ter um jogador expulso. O jogo termina 1 a 1.

Toda essa parafernália de equipamentos e avalanche de informações, grande parte marcada por exposições supérfluas (e propositalmente com este objetivo), me fazem pensar como mudamos a forma de assistir futebol ao longo dos últimos anos, experiência que entra no bojo como tradução dos dias que cá estamos.

Esse conjunto de meios de informações, talvez em excesso, me traz a lembrança de 2002, quando eu, menino, na pequena Varjota, para acompanhar a final da Série B, entre Fortaleza e Criciúma, ter como meio apenas as ondas curtas do rádio.

Já existia TV a cabo, mas nem de longe da forma massificada como a conhecemos hoje. A internet ainda era uma utopia para as massas. A TV aberta, basicamente, era restrita a transmissões de clubes do eixo. De forma concreta, apenas o rádio mesmo, e assim construí grande parte da minha trajetória como amante de futebol.

Era uma experiência diferente, mesmo quando na TV. Um acompanhar com a perspectiva mais pontual e, ao mesmo tempo, ampla, do jogo visto como um todo, e menos por recortes. Trago a sensação de uma maior consistência ou concretude, quando do consumo desse produto abstrato que é uma partida de futebol, se comparo aqueles dias com estes.

E não venho com saudosismos. Nada de julgamentos. Apenas reflexões como se dão esses dois momentos históricos, afinal há a escolha hoje do acompanhar por apenas um meio como antes.

Atualmente, com individualização cada vez mais progressiva do instante, tudo é atravessado e transformado por isso, e uma partida de futebol, ou a forma como a se conta, não se furtaria a refletir sobre essa experiência.

Diante da dificuldade de cristalizar o instante, que, no geral, é marcado pelo não-acontecimento, torná-lo excepcional e trazê-lo para notícia é o desafio. Dessa forma, é muito mais marcante sentir a reação destacada pela paixão de um torcedor que acompanha o clube de coração e que conta a história do jogo em tuítes, stories ou transmissões ao vivo do que a imparcialidade inerente das transmissões oficiais, que, com objetivos distintos, cumprem outro papel.

Nas reações, o instante se pereniza e traduz como ninguém o que ali se passou. Não incomum é de praxe, ao final das partidas, compilados de reações de torcedores em canais no YouTube, muitos já especializados neste tipo de conteúdo, que vezes viralizam bem mais que vídeos com lances da partida, por exemplo.

E, ali, vejo outra arquibancada, que, além de espectadores, dizem o próprio jogo, traduzindo-o instante a instante e escrevendo esses dias ao particularizar o todo.

Foto do Mailson Furtado

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