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Os sábados e os botões
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Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas

Os sábados e os botões

Confabulando cá com os botões lá sobre os botões dos sábados na calçada

O sábado se punha de pé, e a calçada de cimento cru, guardada à sombra do oitizeiro, já estava lotada pela menineira de toda a rua. Em pouco tempo, o novo campeão de botão se daria, e ali o assunto pra toda semana.

Os regulamentos acertados, cada jogador trazia à cena seu time. Ali, os que não dispunham de botões comprados na feira, improvisavam os seus, em recortes de plásticos — tampas de remédios, de refrigerantes, entre outras matérias primas, e como goleiro, ninguém trocava caixinhas de fósforo por qualquer outra modernidade.

As quatro linhas, marcadas pelo giz esquecido pela professora na última aula da sexta-feira, e já esmaecidas depois de tantos passos que cruzaram aquela calçada durante a semana, eram reforçadas com todo afinco. O torneio, assim, em tom de cerimônia começava, anunciado pelo narrador, que em visão privilegiada, atrepado no melhor galho do oitizeiro, imitava bordões que aprendera na TV e no rádio.

Entre um toque e outro, o zumzumzum dos que assistiam. Apostas, discussões sobre uma regra aqui ou ali, e o jogo seguia. Todos eram juízes. Todos, torcida. O tom eliminatório de cada partida lotava a ansiedade de toda manhã, até o desligar do cronômetro que marcava o festejar do novo campeão, a emendar no debate dos lances e polêmicas daquele dia.

Com o sol espatifando quentura e já o preâmbulo do almoço, mães entoavam seus chamados, e todos ganhavam seus rumos para a semana que vem.

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Não sei bem quando o próximo sábado deixou de se repetir, mas um dia não mais.

À calçada ainda a sombra, hoje, ninguém veio, e cá eu a pensar com meus botões.

 

Foto do Mailson Furtado

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