Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas
Marcado por uma extrema singularidade enquanto personagem, Lampião vingou como um dos símbolos máximos da cultura do Nordeste
Em viagem com a família este final de ano, acabo de passar por Piranhas – Alagoas, visitando alguns pontos importantes para a história do Nordeste e do Brasil, a partir do cangaço. Ali, na margem direita do São Francisco, na divisa entre Alagoas e Sergipe, Lampião e seu bando foram assassinados pela polícia alagoana, em julho de 1938, tendo, onze dos cangaceiros, as cabeças degoladas e expostas como prova da morte em várias cidades dos sertões à época, sendo na escadaria da prefeitura de Piranhas, a famosa fotografia das cabeças empilhadas.
Marcado por uma extrema singularidade enquanto personagem, Lampião vingou como um dos símbolos máximos da cultura do Nordeste, estando sempre em cheque a dualidade bandido – herói, que amplia e não permite que o debate se encerre em conceituações simplórias.
Passadas quase nove décadas de sua morte, e diante da rica bibliografia acerca de sua vida, sabe-se que o rei do cangaço tinha noção de sua importância histórica e de seus feitos pelos sertões adentro, mas certamente não supunha que seu nome seria atrelado, um século depois, a um dos maiores eventos da região, a Copa do Nordeste.
Mesmo o futebol tendo chegado na região ainda na primeira década do século XX, este restringiu-se, em um primeiro momento, aos centros urbanos, no geral, localizados no litoral. Somente a posteriori veio o seu embrenhar nos sertões, sendo possível que Lampião sequer tenha ouvido falar do esporte bretão.
Diante de tantas particularidades, numa quase guerrilha no semiárido nordestino em prol de lutas individuais e comunitárias, o cangaço traz no cerne o símbolo de valentia, tão caro ao futebol e a tudo que o cerca – a garra dentro de campo, as rivalidades, etc.
Assim, Lampião, ali, em seu último grito em arquejos, na grota de Angicos, é possível que tenha suposto aquele ecoar diante do tempo. Mas, mal sabia, que este seguiria na boca de milhares, por estádios entre praias, serras e sertões, a vislumbrarem a sua valentia como motivo maior de uma paixão, o torcer.
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