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Parlamentarismo envergonhado
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CEO do Instituto Monitor da Democracia e membro do Conselho Superior da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, Espanha

Parlamentarismo envergonhado

A distorção gerada por este sistema criou uma espécie de chefe de governo no comando da Câmara dos Deputados, que não possui qualquer responsabilidade sobre as ações ou resultados de gestão governamental
Tipo Opinião

O Brasil que Lula encontrou ao chegar ao Planalto em 2023 é muito diferente daquele país visto do terceiro andar do Planalto em 2003. Mais do que isso, a relação do governo com o parlamento mudou consideravelmente. O Congresso Nacional acumulou poderes que mudaram de forma profunda o equilíbrio de forças, tornando a tarefa de governar algo muito diferente de duas décadas atrás.

O Congresso se apropriou do orçamento federal, criando uma espécie de independência em relação ao governo. Se no passado os parlamentares dependiam dos ministros para liberação de emendas, o jogo havia mudado. Nesta nova configuração, os congressistas possuem parcelas significativas das verbas federais em suas mãos, dependendo exclusivamente de seu relacionamento legislativo e especialmente um bom trânsito com os comandantes da Câmara e Senado.

Esta mudança atingiu a dinâmica do presidencialismo de coalizão em sua essência, ou seja, a barganha entre parlamentares e governo. A troca de emendas por apoio perdeu seu apelo, o que tornou os congressistas mais independentes. O presidente da Câmara, até então líder dos parlamentares, agora divide poder com o Planalto, como uma espécie de primeiro-ministro, controlando o destino de recursos e agenda de votações.

Fato é que o Brasil caminhou, desde a gestão de Eduardo Cunha, a passos largos na direção de um modelo que flertava claramente com uma espécie de parlamentarismo, consolidando-se neste caminho na gestão Rodrigo Maia, e aprofundando este processo nos anos de Arthur Lira no comando da Câmara. Se no início era o orçamento impositivo, depois surgiram as emendas de relator, as famosas RP9 e finalmente a consolidação do poder nas mãos dos parlamentares. O resultado foi a menor taxa de renovação da história do Congresso em 2022.

Na verdade, as mudanças realizadas pelo Congresso Nacional, desde 2015, sepultaram aos poucos o Presidencialismo de Coalizão, tornando o Brasil um país um sistema presidencialista apenas em sentido formal. Isto significa que na prática vivemos um semipresidencialismo, onde o presidente partilha o Poder Executivo com um primeiro-ministro e um conselho de ministros, sendo os dois últimos responsáveis perante o Poder Legislativo.

A distorção gerada por este sistema criou uma espécie de chefe de governo no comando da Câmara dos Deputados, que não possui qualquer responsabilidade sobre as ações ou resultados de gestão governamental. Do outro lado, sem mecanismos reais de poder, acabamos com governos fracos, sem força de negociação, responsáveis em última instância pelos resultados da administração.

Diante da manutenção deste modelo, talvez seja momento de discutirmos a introdução real de um sistema parlamentar, deixando com o Congresso Nacional, além do seu poder tradicional, a responsabilidade de arcar com os desgastes de governar. Afinal de contas, em 1988, o legislador optou por um texto constitucional parlamentarista. Se não for este o caminho, seria prudente restabelecer o presidencialismo tal qual decidido no plebiscito de 1993. Hoje, divididos entre dois sistemas, vivemos uma espécie de parlamentarismo envergonhado, que atrasa os rumos do país.

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