Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Reconheço, a minha implicância com o emprego de certos vocábulos revela um excesso de tradicionalismo. Talvez eu devesse experimentar um repertório mais disruptivo
Foto: Sven Brandsma/Unsplash
Quando as palavras crispam os sentidos
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Palavras nascem, vigoram, mudam os sentidos, entram e saem de moda, são esquecidas, sequestradas, resgatadas, morrem. Isso porque a língua tem vida e se modifica no tempo. Algumas enchem a boca. É o caso de rocambolesco. Outras enchem a paciência mesmo. Ultimamente ando a torcer o nariz para a palavra disruptiva e as suas variações.
Também deixei de ressignificar as coisas ao perceber a canseira dada à palavra, usada à exaustão para atribuir um novo significado a algo. De uma hora para outra, todo mundo resolveu ressignificar objetos, pensamentos, existências. Mas ando mesmo entojada, enjoada, nauseada com a palavra entrega.
Com ela descobri o roubo que as palavras sofrem quando os seus complementos são suprimidos. A transitividade do termo foi alterada. Não cabem aqui as perguntas entregar o quê, a quem? Entregar agora é verbo intransitivo. Ou seja, completo em si. A primeira vez que escutei “fulano é excelente porque ele entrega” achei que se tratava de um competente entregador. Como havia um tom elogioso, concluí que o talento do fulano não deveria ser o de um delator.
Também observei a ausência determinante de um pronome reflexivo. Se o fulano em questão “se” entregasse, caberiam pelo menos duas possibilidades de interpretação: não se deixa vencer ou não se apresentar (à polícia?). Reconheço, a minha implicância com o emprego de certos vocábulos revela um excesso de tradicionalismo.
Talvez eu devesse experimentar um repertório mais disruptivo. E é provável que esta crônica não entregue o que os leitores esperam ler – ou, por outro lado, me entregue, entregue a mim, por pensar assim. Assunto a ver. Ou ressignificar.
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