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À sombra das ingazeiras
Foto de Marília Lovatel
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

À sombra das ingazeiras

Uma verdade, porém, segue inalterada: no frio ou no calor, na montanha, na praia ou no sertão, beber um café é tomar goles de conforto
Tipo Crônica
GUARAMIRANGA, CE, BRASIL, 19-06-2017: Chiquinho de Souza,61, feitor do sítio Águas Finas faz colheita de café. Especial Rotas do Semiárido - Rotas do Café, Sítio Águas Finas em Guaramiranga, produção de café arábica. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO) (Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES GUARAMIRANGA, CE, BRASIL, 19-06-2017: Chiquinho de Souza,61, feitor do sítio Águas Finas faz colheita de café. Especial Rotas do Semiárido - Rotas do Café, Sítio Águas Finas em Guaramiranga, produção de café arábica. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

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Na volta de Guaramiranga, eu trouxe o meu coração embalado a vácuo em pacotes de café. Um tradicional, um especial e um gourmet. Vi as três opções na prateleira da lojinha e não quis correr o risco de uma má escolha, de deixar para trás a melhor.

Um bom café vale o investimento. O prazer do ritual começa durante o transporte, com o aroma vencendo a embalagem metalizada para perfumar o carro. E o olfato agradece de novo, enquanto as papilas gustativas mal contêm a ansiedade no momento em que a água quente é despejada no frescor do montinho de pó dentro do filtro de papel, de pano, ou do tipo permanente, achado nas cafeteiras.

Impossível resistir! Trata-se de uma bebida que, apesar de não ser uma exclusividade brasileira, fala diretamente às nossas raízes, tradições e emoção. É indissociável do nosso cotidiano e das memórias afetivas.

Uma xícara de café, passado na hora, me transporta para a serra da minha infância, para a torra no fogareiro de tijolos do pátio atrás da cozinha, para o som dos grãos sendo mexidos no processo artesanal, para o raspado no fundo do panelão de ferro gasto, à força do braço de meu pai, para o ruído triturante do moedor, para a lata em que se guardava o precioso resultado, puro ouro preto, e de volta à xícara em minhas mãos.

Receber bem pede um café. Acordar também. Escrever, nem se fala.

A criatividade se apresenta e se intensifica. Excessos à parte, as gastrites devem ser evitadas tanto quanto as ofensas ao paladar e à digestão pelo consumo de um café ruim ou de qualidade duvidosa, requentado, fervido depois de pronto, oxidado e convertido em fel.

Tais sacrilégios maculam o que um dia foi o fruto vermelho dos pés de café arábica, adaptados ao crescimento à sombra das ingazeiras altas, com suas vagens de polpas alvas, brandas, doces, cultivo harmônico, parceiro das árvores poupadas.

Aprendizado com as experiências anteriores – elas foram infelizes, corresponsáveis pelo desequilíbrio, pela mudança do clima, a subida da temperatura na região.

Uma verdade, porém, segue inalterada: no frio ou no calor, na montanha, na praia ou no sertão, beber um café é tomar goles de conforto.

Foto do Marília Lovatel

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