Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Ao término da liturgia, fui até o colega, e voltei ao meu lugar no aguardo da benção final. Então, a moça, pouco mais que uma menina, olhou na minha direção, abriu um sorriso e veio ao meu encontro. "Eu amo os seus livros", ela disse, e me abraçou, a mim, que fui oferecer um abraço e acabei por recebê-lo
Foto: Reprodução / Salesianos Nordeste
Igreja Senhor Bom Jesus do Horto
Era uma missa de sétimo dia, celebrada em memória da mãe de um companheiro de trabalho, pessoa querida por todos. No trânsito caótico das 18, o navegador me despejou no congestionamento da BR-116, eu buscando atalhos a fim de comparecer, ainda que chegasse atrasada para dar o abraço solidário. Apesar de perder o início da cerimônia, não perderia a oportunidade de ofertar a minha presença, algum conforto naquela hora em que nada conforta.
A distância geográfica me impediu de fazer isso por duas grandes amigas – uma perdeu o pai, e a outra uma irmã mais velha em que ela projetou o afeto materno – e jurei que, estando na cidade, não faltaria a um momento assim. Estacionei na rua estreita, entrei na igreja – uma capela, na verdade –, de paredes finas, desprovidas das riquezas mundanas, sem os santos cobertos de sedas e de veludo com arremates costurados a fios de ouro, e faces perfeitas com perfeitos olhinhos de vidro brilhantes como joias. No altar, apenas um Cristo pregado na cruz; ao lado, a Nossa Senhora Medianeira que nomeia o recinto. Contudo, o amor, a saudade, o reconhecimento e a gratidão resplandeciam.
Em tais ocasiões, tento me controlar em respeito à dor alheia, e, por vezes, desviei a atenção das lágrimas dos parentes para os vitrais sóbrios. Perto deles, percebi uma jovem de vestido leve, cabelos compridos, mãos delicadas, seus dedos copiavam os estáticos da santa. No rosto, uma tristeza contida. Achei-a tão bonita, expondo o luto na alma, e, sem se saber observada – eu estava quatro bancos atrás –, ela enterneceu o meu coração. Foi como se nos conhecêssemos, como se houvesse entre nós um laço, uma ligação, algo invisível a nos conectar.
Ao término da liturgia, fui até o colega, e voltei ao meu lugar no aguardo da benção final. Então, a moça, pouco mais que uma menina, olhou na minha direção, abriu um sorriso e veio ao meu encontro. “Eu amo os seus livros”, ela disse, e me abraçou, a mim, que fui oferecer um abraço e acabei por recebê-lo.
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