Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Foto: Reprodução/EPTV
Cachorro, que foi batizado de Caramelo pelos funcionários do hospital, aguarda retorno da tutora, já falecida, na Santa Casa de Guariba (SP)
Ouvi dizer que o ambiente publicitário é povoado por gateiros, um tipo de gente muito peculiar, rendida aos encantos dos felinos. Achei a frase pertinente porque sou redatora em uma agência desse meio de comunicação e convivo com apaixonados por gatos. Com frequência, sou testemunha das manifestações de apreço, das trocas de dicas sobre o melhor tipo de areia sanitária, de ração, das risadas impossíveis de conter e dos relatos referentes à fofura dos bichanos e às suas artes. A atual experiência me enquadra no paradigma dos escritores simpáticos aos seres de quatro patas que passeiam no teclado, interferem na digitação e roubam a cena em reuniões online, embora eu não tenha gatos, assunto que visitei em uma crônica anterior.
Apesar de não ser tutora de um desses companheiros enigmáticos, nutro por eles grande afeto. É um amor que alimento desde a infância, quando, sem conseguir me manter indiferente aos filhotes encontrados nas ruas, sempre arranjava uma embalagem de sapatos, enchia de furinhos e os levava para casa, onde me diziam que não era possível ficar com eles. Em certa ocasião, recolhi uma criaturinha de olhar irresistível, a caminho de uma aula de sapateado — na adolescência fiz escassas tentativas antes de desistir de copiar o clássico “Cantando na chuva”. Parei na porta de uma loja, pedi, recebi o que eu precisava e segui para a academia de dança, alguns quarteirões ali perto, fui testar a paciência da professora com a minha falta de talento.
Lá pelas tantas, a música bem alta, os clap-clap-clap dos metais das solas chapinhando no piso de granito, a caixa começou a miar. A mestra fez uma expressão de estranhamento, parou a coreografia na frente dos espelhos e baixou o volume do som para se certificar da presença do gato. Apaguei o que se passou depois, perdi em algum canto da memória seletiva, ficou guardado dentro da gaveta “gatos que não me deixaram criar”, de maneira que o desejo esperou até a minha irmã receber o presente de um amigo desavisado: uma siamesa. Ela chegou sem pedir licença e se apossou do nosso lar, não raro nos inquiria como quem pergunta “o que esses humanos fazem aqui sob o meu teto?”. Raíssa furou o bloqueio de meus pais e permaneceu conosco por mais de dez anos.
Casada, adotei um caramelo, rajado, de olhos verdes e tendências camicases. Ele não resistia ao ventilador ligado e nos deixava em constante estado de alerta para impedi-lo de saltar e mergulhar nas hélices em movimento. Fui convencida a evitar a ideia. Agora, com meus filhos adultos, inauguro nova modalidade: acompanho a guarda compartilhada. Madame, já crescida, mora com o Saymon, namorado da Marcela; Snow, ainda um pequeno, vive no apartamento da Luíza, noiva do Matheus. Os dois casais repartem responsabilidades, despesas, cuidados e carinhos. Eu divido com eles minha cumplicidade.
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