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Sossego
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

Sossego

Brindar, celebrar as conquistas, os encontros, comemorar a existência, as coisas boas, tantos motivos há
Tipo Crônica
"Para ler, necessito de silêncio. Para escrever, a concentração é indispensável. Tudo que distrai em demasia incomoda, atrapalha, atravanca a criação", diz a colunista do OP+, Marília Lovatel. Na imagem, a tranquiladade da Serra de Aratanha (Foto: Samuel Setubal/O POVO)
Foto: Samuel Setubal/O POVO "Para ler, necessito de silêncio. Para escrever, a concentração é indispensável. Tudo que distrai em demasia incomoda, atrapalha, atravanca a criação", diz a colunista do OP+, Marília Lovatel. Na imagem, a tranquiladade da Serra de Aratanha

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A passagem dos anos se confirma nas minhas escolhas. O gosto pela aventura deu lugar à preferência pelo conforto. Quanto mais baixo o volume da música, melhor. Quanto menos lotado o ambiente, ainda melhor. Sair de casa, só se valer realmente a pena. Não é um se entregar à preguiça, é apreciar o sossego. Amo estar em família e com os amigos — diga-se de passagem. Brindar, celebrar as conquistas, os encontros, comemorar a existência, as coisas boas, tantos motivos há.

No entanto, estar sozinha também é bom. Enquanto a solidão não se impõe, tirânica e irredutível, eu negocio com ela as suas doses homeopáticas, aprendo como é conviver comigo. Não é de hoje essa consciência que tenho de uma certa tendência à misantropia. Algo que — por ser discreto — não me paralisa nem me isola da vida em sociedade. Trata-se apenas de, com a ponta do pé, sentir a temperatura da água estando na borda da piscina, antes do mergulho, de experimentar um pouco do que inevitavelmente virá, caso eu demore por aqui, no plano terreno. Provar algumas porções do prato a ser servido com frequência no cardápio do futuro.

A literatura se apresenta como elemento estruturante tanto nos livros que leio e vou empilhando na escrivaninha, na cadeira ao lado da cama, nas estantes da sala, aparadores quanto na minha produção escrita.

Para ler, necessito de silêncio. Para escrever, a concentração é indispensável. Tudo que distrai em demasia incomoda, atrapalha, atravanca a criação. Não me refiro à ausência completa de ruídos, de sons, de movimento. É preciso ouvir a roca e o vento para fiar as histórias. “Ana Terra fiava, a roca e o vento — e o tempo passava assim.” É uma quietude de alma, brandura de espírito, presente do envelhecimento — de que não devemos abrir mão. Os velhos não mais fazem rascunhos, já passaram o mundo a limpo. Os velhos são silenciosos, olham com olhos sabedores. Reconheço a expressão no meu espelho.

Foto do Marília Lovatel

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