Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
O convite para revisitar um livro querido me fez adquirir a edição comemorativa de “Laços de família”. A razão para o convite: participar de um podcast. O motivo da edição comemorativa, lançada em 2020: celebrar o centenário do nascimento de Clarice Lispector. A capa em tons terrosos, sob o amarelo e o vermelho, é detalhe de uma tela da autora e exibe as pinceladas de uma Explosão — título da pintura, óleo e tinta plástica sobre madeira, parte integrante do acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Abrir o papel cartonado foi ouvir o ranger do velho portão; e ler a orelha larga, passar pela porta de um lugar que visitei antes, que me pertence em lembranças e sensações. E fui virando as páginas, em avanço no recinto, re-sentindo tudo e pedindo desculpas pela longa ausência, esperando autorização para estar ali depois de tanto tempo. Os 13 contos continuam iguais, são cômodos de residência antiga em que não se mexe na mobília. Em todos arde a brasa viva da linguagem; as narrativas conservam seu calor intenso.
Percorro um campo minado, sujeito a sucessivas detonações que mudam a ordem vigente. Chego ao fim sem imaginar a surpresa de um posfácio. Escrito por outra Clarisse — Clarisse Fukelman —, o texto depois do texto é um primoroso estudo.
Transformou a releitura em uma visita guiada por um foco de luz revelando o que deixei escapar, debaixo de uma cama, dentro de uma gaveta, atrás de um armário. No levantamento das peças e utensílios nos contos, “penteadeira, espelho, vaso, sapatos, pá, mala, relógio, óculos, máscara, pires, chapéu, grade, bolo, faca”, reconheço “a espessura afetiva” dos objetos da minha própria escrita em “A memória das coisas”. E no último conto, “O búfalo”, reencontro a antítese do animal de estimação que criei para a menina da minha história em “Salvaterra — breve romance de coragem”.
Se confirmo ou se inverto, uma única certeza me ocorre: depois de entrar nessa casa, é impossível sair ilesa. E mesmo tendo partido há muitos anos, sei que de alguma forma permaneci. Trago em mim as marcas das explosões. Quando a nuvem de poeira baixa, tudo se esclarece, tudo se “esclarice”.
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