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Não teremos democracia
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É mestre em Direito pela UFC e doutorado em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main. Atualmente é professor da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza

Não teremos democracia

A imprensa parece assistir a tudo passivamente, sem se dar conta de que poderá ser devorada pelo Behemoth, já nas eleições municipais de 2024

Que a literatura é fonte imprescindível para todas as ciências, não há novidade alguma. Refiro-me, por óbvio, à produção dos autênticos literatos que atravessam os séculos com sua atualidade sobre os desafios humanos, e advertem dos perigos sempre presentes. Não àqueles falsários que cometem literatura, em todos os idiomas.

Para nós, que temos dedicação ao direito, a frase de Dostoiévski, no seu Crime e Castigo, de que “de cem coelhos nunca se faz um cavalo, de cem suspeitas nunca se constrói uma prova” possui toda a força das garantias constitucionais da modernidade. A afirmação é de uma obra publicada em 1866!

No Brasil, o professor João Cézar de Castro Rocha integra o corpo docente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Com reconhecida e sólida formação em história e literatura, sua obra "Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico - Retórica do ódio e dissonância cognitiva coletiva", de 2023, obrigou o autor a uma "passagem dolorosa" de Machado de Assis a gente como Olavo de Carvalho. Descendo mais neste inferno "sem nenhuma esperança", a leitura de qualquer "discípulo" de Carvalho confirma a inteira razão do Professor. Basta que se leia ou se escute algo de Ernesto Araújo, nosso ex-chanceler. Recentemente, o professor João Cezar advertiu do perigo que vivemos de não termos mais democracia nos próximos anos. E não somente no Brasil.

O autor também parece estar certo, se não nos mobilizarmos, para ontem, enquanto sociedade. As matérias que circulam na imprensa de maior alcance — todas! — dão conta de como a direita e extrema direita andam juntas. A mesma imprensa, com sorriso de canto de boca, festeja a imobilidade da esquerda, que parece assistir a tudo passivamente, sem se dar conta de que poderá ser devorada pelo Behemoth, já nas eleições municipais de 2024. Claro que a mesma imprensa dirá que advertiu, que nada pode fazer e que o mundo é assim mesmo. Até chegar sua hora!

O debate sobre os rumos de nossa democracia depende da coletividade do que somos: artistas, ativistas, atores políticos, intelectuais. Não cairá dos céus. A indiferença diante dos riscos é o pior cenário que se pode imaginar. Esta indiferença, ou conformação, com um futuro tido como certo, conduzirá a todos, até os poucos que não foram indiferentes, tampouco se conformaram. Não se pode permitir que as armadilhas já antecipadas, e que a história nos mostrou, funcionem novamente. Neste cenário, a comunicação desempenhará um papel decisivo. Ou enfrentamos o monstro, ou pereceremos nós e a democracia.
A coletividade que tem diante de si o desafio do enfrentamento deverá encontrar intervenções capazes de neutralizar, ao mesmo tempo, a proliferação da desinformação e da falsidade de notícias em tempo real, além de ser ativa no sentido da reconstrução dos valores da ciência e da tolerância. Por isso que frases como "a terra é plana" não são risíveis: traduzem a destruição do real em nome de um imaginário mítico.

Novamente, a boa literatura também terá uma importante função nesta reconquista, ou não teremos mesmo democracia.

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