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Tá ouvindo, tio Paulo?
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Líder classista, empresário do setor de farmácias, é diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desde 2018

Tá ouvindo, tio Paulo?

Tipo Opinião
Maurício Filizola, empresário, diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Maurício Filizola, empresário, diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC)

Se o que você mais pediu em suas orações foi uma vida de paz e harmonia, lamento informar: o seu pedido está defasado e é hora de fazer um upgrade em suas preces.

É que o recente e bárbaro episódio do tio Paulo que, mesmo já morto, teve de entrar numa fila de banco, desviar de porta giratória com alarme e tentar fazer um empréstimo para outros gastarem, revela que, além de uma vida digna, é hora de também implorarmos aos céus por uma morte digna.

O episódio envolvendo o idoso Paulo Roberto Braga, de 68 anos, que fora levado pálido, gélido, inerte, pela sobrinha Érika Nunes, numa cadeira de rodas, com o pescoço escangotado, para contrair um empréstimo de R$ 17 mil numa agência bancária do Rio de Janeiro, não nos causou apenas surpresa. Nos trouxe aversão. De tal forma que nem a traição sofrida pelo pagodeiro Belo, repercutido à exaustão pela mídia (tradicional e social), nesta semana, foi capaz de nos desviar a atenção do calvário do tio Paulo.

Tio Paulo era um cidadão comum, desses que se veem na rua, como diria a canção de Belchior. Experimentou, em vida, de dramas também comuns a muita gente. Tinha uma rotina estressante como motorista de ônibus e, nas horas vagas, a solidão como companheira: sem esposa, sem filhos, sem parentes.

Quando adoeceu, tio Paulo perdeu o único privilégio que ainda tinha, que era morar no andar superior de um humilde sobrado. Moribundo, desceram o velhinho para um porão sem piso, sem móveis, sem banheiro, sem conforto, de onde ele só sairia para protagonizar a cena dantesca que o tiraria da tirana invisibilidade social, em vida, para a desprezível desumanidade, pós-morte.

Hoje, com tio Paulo, enfim, enterrado, a opinião pública cogita - e a polícia investiga - se o idoso já chegou morto ao banco ou se morreu no caminho. Se a sobrinha tinha ciência do óbito ou se só o percebeu quando tio Paulo "não quis" assinar o empréstimo, mesmo depois de um último, desesperado e aparentemente teatral apelo de Érika: "Tio Paulo, você tá ouvindo? Você precisa assinar. Se você não assinar, não tem como...". Não teve como!

Se foi a necessidade, se foi a mesquinhez, se foi a estupidez, se foi a vileza, se foi a frieza ou se foi apenas a falta de senso a justificativa da última afronta a tio Paulo, isso não diminui a nossa repugnância. Também não vai diminuir a tragédia dele.

Até porque há outros tios Paulos por aí. Padecendo de nossa indiferença. Sucumbindo à nossa ganância. Reclamando a nossa humanidade.

Tá ouvindo, tio Paulo?

 

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