Logo O POVO+
Ditadura do achismo
Foto de Maurício Filizola
clique para exibir bio do colunista

Líder classista, empresário do setor de farmácias, é diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desde 2018

Ditadura do achismo

Afinal, Biden está mesmo imprestável para a vida pública, como muitos já sentenciaram, após uma análise rasteira da primeira performance eleitoral do político, este ano? Ou apenas teve um dia difícil, como muitos de nós também temos? Ou será que Biden apenas subestimou a visibilidade de um debate

O povo brasileiro detesta política, mas adora eleição. A cada pleito, a gente acredita, defende, depois se decepciona, se desilude, mas, no próximo capítulo da disputa eleitoral, já toma partido novamente, e arruma argumento para renovar a paixão, só comparada à da seleção brasileira, em que passamos quatro anos xingando o time e, na Copa do Mundo, um mês o idolatrando, pintando até a rua de verde-amarelo.

Nisso, de venerar eleição, a gente só perde pros Estados Unidos. Como lá tudo vira uma megaprodução cinematográfica, até as prévias eleitorais já mexem com a população, e cada debate vira um episódio de uma série cuja audiência também só é comparada à do Super Bowl, o jogo que decide o campeão da temporada da Liga de Futebol Americano, e que, este ano, reuniu 123,7 milhões de telespectadores.

Na semana passada, o primeiro "round" entre o atual presidente americano, Joe Biden, e o ex-presidente, Donald Trump, foi visto por quase 50 milhões de pessoas. Mas, no dia seguinte, o buchicho pautou até as rodas de beach tennis do Eusébio, levando ao mundo todo a maledicência de que Biden estava despombalizado, esclerosado, broco, acabado.

O desempenho do presidente diante das câmeras, a fala vagarosa, os lapsos de memória, o olhar perdido foram mais observados e criticados pelo público do que as 30 mentiras sacadas por Trump - e checadas pela CNN - ao longo do debate. Ou seja: na simbologia de uma eleição, ser mentiroso é menos grave do que demonstrar fraqueza.

Mas, afinal, Biden está mesmo imprestável para a vida pública, como muitos já sentenciaram, após uma análise rasteira da primeira performance eleitoral do político, este ano? Ou apenas teve um dia difícil, como muitos de nós também temos? Ou será que Biden apenas subestimou a visibilidade de um debate, a exemplo do que ocorreu a Nixon, em 1960, que perdeu uma eleição tida como ganha, quando apareceu diante das câmeras assanhado, cansado, descompassado, contra o um John F. Kennedy tranquilo e infalível, como Bruce Lee?

Fatos como estes nos chamam a uma responsabilidade: o de sermos mais cauteloso com as opiniões, menos precipitados nas intervenções e mais vigilantes aos preconceitos que, por vezes, estão arraigados em nossas almas e mentes, e transbordam frente às muitas possibilidades que hoje temos de emitir valor sobre as coisas e pessoas.

Criticamos Biden por ter pensado demais antes de dar suas respostas num debate. Mas não reparamos que pensamos de menos antes de rotularmos os nossos semelhantes.

Porque, na ditadura da opinião, achar, julgar e rotular é preciso. O resto, não!

 

Foto do Maurício Filizola

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?