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A felicidade que grita infeliz
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Espaço dos correspondentes escolares do Programa O POVO Educação 2021. O programa reúne 140 jovens estudantes do ensino fundamental das redes pública e privada de Fortaleza. Os correspondentes participam de oficinas nas quais aprendem a editar jornais, roteirizar podcasts e apresentar programas de rádio, entre outras atividades

A felicidade que grita infeliz

Era sábado, final de tarde, quando a conheci. Ela foi a última a chegar: quatro horas de atraso. A comemoração ganhou um novo contraste quando ela chegou. Todos que a conheciam correram para abraça-lá, os que não a conheciam como eu, observavam, procuravam o que aquela menina tinha de tão especial para causar tamanha comoção.

Ela não se apresentou com seu nome, mas com os seus vários sorrisos. Acenou para nós, se aproximou e nos envolveu em seus braços. Ela era calorosa, sem dúvida.

O céu alternava seus tons entre azul e rosa, enquanto ela erguia a câmera para fotografar aquela mesclagem de cores em, o que pareceu para mim, uma infinidade de vezes. Porém, aparentemente para ela, cada foto retratava versões de um mesmo céu, ainda que de certa forma não fosse.

Ergueu a câmera para fotografar quem bobeasse com um sorriso, quem se atentasse ao que era dito, quem remexesse a garrafa de vidro a fim de misturar seus líquidos, quem rebolasse o quadril. Ela só não ergueu a lente da pequena câmera para si.

A menina do sorriso fácil, das palavras certas, estava ali diante de nós, não mais em piadas e fotografias, mas em movimentos que acompanhavam o som que berrava da caixinha de música. O álcool entrava pela sua boca com uma facilidade quase que distante e ela sorria.

Seus cabelos estavam soltos, sua blusa, amarrada na parte de cima do biquíni. E as suas palavras estavam onde deviam estar: por ai, soltas. Ela era inteligente e engraçada, não notar era impossível. Mas havia algo nela que não era visto, algo escondido.

Mais tarde, em torno das vinte e três horas, ela sentou ao meu lado no ponto do ônibus e silenciou-se. O silêncio era tão ensurdecedor que só se podia ouvir o barulho do trânsito, as conversas das pessoas e as risadas dos já embriagados.

Ela me olhou, forçou um sorriso e me disse baixinho que preferia que tudo já tivesse acabado para ela, que ela estava aqui, mas que preferia não está. Ela me confidenciou por alto que há anos estava perdida e infeliz, expôs sua coletânea de pequenas enormes tragédias e voltou a ficar em silêncio.

Meu ônibus chegou em um determinado momento e o meu coração apertou ao precisar deixá-la ali sozinha. A menina de sorriso fácil era, na verdade, a menina de melancolia certa.

Todos a notaram, mas ninguém notou.

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