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Choque de realidade
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Espaço dos correspondentes escolares do Programa O POVO Educação 2021. O programa reúne 140 jovens estudantes do ensino fundamental das redes pública e privada de Fortaleza. Os correspondentes participam de oficinas nas quais aprendem a editar jornais, roteirizar podcasts e apresentar programas de rádio, entre outras atividades

Choque de realidade

1510educacao.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1510educacao.jpg

Estou em um salão especializado em cabelos cacheados, recém chegado e o único em minha cidade. Me entusiasmei por me sentir segura em deixar alguém tratar os meus cachos, o que dá forma ao meu eu mais autêntico. Vim dar um novo tom à eles, um novo corte.

Estou há dez minutos fazendo teste de mecha, tentando incansavelmente desviar o olhar do espelho imenso que está em minha frente. E então percebi o quanto a minha imagem me incomoda, me deixa um pouco envergonhada. E sim, admito, é triste.

Acreditei por muito tempo que a minha aversão a salão fosse por inúmeras razões que pareciam, para mim, óbvias, mas a verdade é que o problema era comigo, por mim. Me ver, me atentar a mim e a tudo o que intimamente não gosto, mas nem sempre me lembro.

E eu nunca tive uma noção tão abrangente de mim em um salão como agora, sendo honesta. Sou eu, sabe? As minhas pernas, a marca na minha barriga, a barriga propriamente dita, os meus dentes desalinhados, as marcas no meu rosto causadas pela catapora na fase adulta… são as minhas mãos, os meus pés e os seus dedos comprimidos. É tudo aquilo que eu fui ensinada a odiar e que eu aprendi com maestria.

Vejo o cacho em tom de cobre cair sobre o meu ombro e harmonizar com o meu olho castanho mel e sinto um aperto no peito, uma faísca de vergonha e de culpa por ter me odiado por tão pouco e por tanto tempo.

Vejo o meu reflexo no espelho e eu sou uma menina marcada pela vida de tantas formas, que nessa não poderia ser diferente - mas deveria. Vejo o meu reflexo no espelho, me encolho, sinto vontade de chorar e sinto os meus olhos lacrimejar rapidamente e com uma certa cerimônia. Sinto em meu peito um ardor de emoções distintas que se chocam umas contra as outras e o barulho é ensurdecedor.

Eu teria sido tão carrasca e medonha com outra ou esse castigo eu dediquei exclusivamente à mim? E a resposta é: a exclusividade não me caiu nada bem. Portanto, renuncio à ela e suplico de maneira silenciosa por misericórdia.

Me odiar tem sido cansativo, odeio que é isso que eu tenha aprendido e eu sou amor, então, que eu seja amor também por mim.

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