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ÔNIBUS 174 Seqüestro termina com duas mortes após quatro horas
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A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO

ÔNIBUS 174 Seqüestro termina com duas mortes após quatro horas

A morte da cearense Geísa Firmo Gonçalves marcou o desfecho tráfico do sequestro de um ônibus, no Rio de Janeiro
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* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.

 

13 de junho de 2000

Um homem armado com um revólver calibre 38 fez pelo menos 10 reféns e promoveu mais de quatro horas de terror, ontem, dentro de um ônibus da linha 174 (Gávea-Central do Brasil), no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. Uma refém de 20 anos e o criminoso, identificado apenas como Sérgio, morreram baleados.

O seqüestro começou às 14h20min. A refém, Geísa Firmo Gonçalves, foi baleada já fora do ônibus, para onde foi levada como escudo pelo seqüestrador, às 18h50min. Ela levou três tiros - no tórax, no abdômen e no pescoço - mas até às 21h não estava claro se as balas haviam partido do assaltante ou da Polícia. Geísa era empregada doméstica e morava na favela da Rocinha.

O criminoso levou vários tiros da Polícia e quase foi linchado por uma parte da multidão que acompanhava as negociações entre ele e a Polícia. Mas ainda saiu vivo do local do seqüestro e foi levado para o hospital Miguel Couto num camburão da Polícia Militar. O hospital afirma que ele já chegou morto. O drama começou quando o homem armado embarcou no ponto de ônibus em frente ao hospital da Lagoa, na rua Jardim Botânico. Quando o motorista, por ordem dos policiais, parou o ônibus, em frente ao parque Lage, o criminoso fez pelo menos 10 passageiros como reféns. O motorista José Fernandes do Nascimento, 51, aproveitou a confusão e fugiu por uma janela. O cobrador e mais alguns passageiros fizeram o mesmo. Foram chamados reforços, com policiais do Batalhão de Operações Especiais, 23º Batalhão de Polícia Militar, Grupamento Especial Tático-Móvel, 2º BPM, policiais civis e guardas municipais. Quatro policiais do Batalhão de Operações Especiais, tropa de elite da Polícia Militar carioca, posicionaram-se atrás de uma viatura da PM.

O bandido mandou que uma das reféns escrevesse com batom, no vidro da frente do ônibus: "Ele vai matar geral às seis da tarde".

OITD_20000613aa16.jpg(Foto: opovo é história)
Foto: opovo é história OITD_20000613aa16.jpg

14 de junho de 2000

Sepultamento de cearense morta no Rio acontece hoje

O enterro da cearense Geysa Firmo Gonçalves, 20 anos, acontece hoje, às 10 horas, no cemitério do bairro Bom Jardim. O corpo da professora de artesanato foi liberado na noite de ontem para ser trazido para Fortaleza. A autorização para a remoção só foi concedida pela Justiça por volta das 20 horas de ontem. A promotora Luciana Sapha Silveira, da 7º Vara Criminal do Rio de Janeiro, havia determinado que o corpo da vítima e do assaltante Sandro do Nascimento não fossem liberados até que todos os procedimentos investigatórios (exames) na área criminalística fossem realizados.

O corpo de Geysa foi trazido em um avião fretado pelo Governador do Rio de Janeiro. O velório da professora aconteceu na residência de Elizângela, no bairro João XXIII, e se estendeu por toda madrugada de hoje.

Geysa foi morta após ser feita refém em um ônibus no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. O seqüestro começou às 14h20min e só terminou por volta das 18h30min da última segunda-feira. O assaltante entrou no ônibus e, após a Polícia mandar parar o coletivo, fez 10 pessoas como reféns.

Geysa tinha ido de Fortaleza para o Rio de Janeiro há um ano, juntamente com o companheiro Alexandre Magno, para tentar trabalho. Ela morava na favela da Rocinha e poucos meses atrás havia conseguido um emprego como professora de artesanato em um Centro Comunitário da favela.

OITD_20000614aa04.jpg(Foto: opovo é história)
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15 de junho de 2000

Sinais de descalabro - Editorial

O trágico desfecho do seqüestro do ônibus no qual morreu a cearense Geysa Gonçalves e culminou no assassinato do seqüestrador por policiais militares, depois de dominado, repercute no Brasil e no Exterior, levantando dúvidas sobre a qualidade da segurança oferecida pelo poder público brasileiro aos cidadãos.

A tragédia revelou não apenas o despreparo técnico da polícia brasileira, mas a enorme deficiência de sua formação cidadã.

Os erros técnicos da operação vêm sendo apontados por especialistas da área e esmiuçados pela mídia. A falta de comando, de equipamentos adequados e de pessoas qualificadas não tem justificativa dada a longa duração do seqüestro, invalidando a desculpa de que não haveria tempo para planejamento melhor articulado. O desprezo dado à questão da preservação da vida da refém não é um fato novo. Já se repetiu por várias vezes. Trata-se de um dado que permite concluir o que já era matéria de denúncia: a PM privilegia mais o confronto com o criminosos do que a proteção da vítima. Os reféns tornam-se preocupação secundária quando a gana de prender ou eliminar o criminoso se apodera de policiais despreparados para lidar com a emoção.

Que um bandido atue com perversidade e completo desprezo pela vida humana não constitui propriamente uma surpresa, sendo uma das possibilidades esperadas da parte de homens degradados. O que causa horror, espanto e indignação são os próprios policiais assumirem a condição de bestas humanas, matando de forma hedionda criminosos que lhes caiam nas mãos, depois de dominados, como ocorreu com o seqüestrador ônibus. Se houvesse necessidade de abatê-lo, para salvar a vida da refém, isso teria de ser feito através de meios técnicos adequados que evitassem qualquer risco para a vítima. A atitude - ao que parece, indisciplinada - do policial que tentou bancar o herói e provocou a tragédia jamais aconteceria onde existisse comando efetivo. Pior ainda, a morte do criminoso depois de dominado.

Um estudo feito pelo pesquisador Ignacio Cano, do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser), no Rio, acompanhou na Justiça Militar a apuração de 301 homicídios cometidos por policiais militares daquele Estado, entre 1993 e 1996. Resultado: 295 foram arquivados e seis foram julgados. No tribunal, todos os policiais foram absolvidos.

Fica evidente a necessidade de reformular todo o aparelho policial, criando uma polícia única, treinada e equipada para defender prioritariamente o cidadão. Entretanto, é ilusória a tese de que a simples repressão vá resolver a questão da violência, no Brasil.

Reformulá-lo exige a opção por valores mais elevados do que a simples racionalidade econômica. A sociedade majoritariamente já percebeu isso, estando muito à frente de suas elites dirigentes, que continuam a ignorar os sinais de descalabro social e a necessidades de corrigi-lo.

 


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