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34 ANOS DA MORTE DECAZUZA
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A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO

34 ANOS DA MORTE DECAZUZA

Cazuza viveu e morreu como símbolo do que era: um rebelde com causa, que aqui veio para deixar marcada uma ideia de liberdade que era absoluta. Por isso é que mesmo tendo nos deixado cedo, apenas com 32 anos, o seu legado ainda pauta discussões e orienta pensamentos
Morre Cazuza, o poeta.  (Foto: O POVO É HISTÓRIA )
Foto: O POVO É HISTÓRIA Morre Cazuza, o poeta.

* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.


8 de julho de 1990

Morre Cazuza, o poeta

Poeta que se tornou legenda da juventude dos anos 80, artista que com seu comportamento se tornou símbolo da liberdade, Cazuza, 32 anos, morreu ontem, no Rio, de AIDS. Em duas páginas especiais, VIda & Arte apresenta um pouco do profundo mergulho de Cazuza na música, na vida, na doença, na morte.

 

8 de julho de 1990

Do outro lado do show

Quando morre o criador, ficará sua obra mais pobre? Se assim for, o Brasil, hoje, empobreceu porque ninguém delineou melhor a cara deste País do que o roqueiro Cazuza. Irreverente, sempre. Romântico e sonhador, algumas vezes. A sua inquietude se aproximava do deboche. Esperada, mas não desejada, a sua morte constrange, compunge. Afinal, foi buscando a vida que ele encontrou o sêmen da morte. Em praça pública, não foi apenas o artista que agonizou, mas a própria nação brasileira, enlutada com este e muitos outros dramas.

Cazuza, provavelmente, não quis ser o símbolo de nada, nem da própria resistência, como acabou sendo, por força do destino. A AIDS, que o aniquilou, serviu também, e paradoxalmente, para o fortalecer enquanto viveu. Num ritmo febril, alucinante, ele compôs e gravou seu último disco - "Burguesia" - em tamanha quantidade que a produção daria não para um, mas para três álbuns. E os que com ele trabalharam sentiram-se impotentes até para lhe dizer que as músicas já se excediam. Sabiam todos que aquele momento, o do trabalho, era ainda o último elo a lhe prender, o limiar entre a vida e a morte. Compondo e cantando, Cazuza vivia. A vida, pela arte. A arte, para manter a vida. E no início do mês passado, pediu a máquina de escrever à mãe. Voltou a compor, pensando num novo disco.

Dura é a realidade, mas fica ela bem menos dolorosa quando o colorido da fantasia se mescla ao real. Foi o que aconteceu com Cazuza, ao se descobrir aidético, em outubro de 87. Com o resultado do exame positivo na mão, ele pensou na morte como algo inexorável. Defronte ao mar, imenso, à sua frente, ele concluiu que o fim se aproximava. E depois, abraçado aos pais João e Lucinha Araújo, Agenor de Miranda Araújo Neto, em sua mais pungente condição de humano condenado, chorou. Mas, começava aí, em meio ao desespero, a luta pela vida. Os três, emocionados, celebraram naquele instante o pacto da esperança.

Superado o abatimento pela reportagem de capa da Revista Veja, que o colocou como vítima da AIDS, ele sorria e se esbaldava, pleno de alegria. Bastava, sim, estar entre os vivos para se sentir feliz. E mais: o reconhecimento de que seu trabalho era importante o envaidecia. Nada de horrores, nada de pesadelos. E ele tentou, como ninguém, firmar-se lúcido, seja mediante tratamentos convencionais ou alternativos.

Como integrante do grupo de riscos, Cazuza surpreendeu-se, a princípio, com a evidência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Revoltou-se, destruiu móveis, mas se manteve íntegro para sua arte, não se violentou. O disco "Ideologia" traz um Cazuza romântico, sensual, roqueiro bem diverso da média brasileira. Dos tempos alucinantes do Barão Vermelho restava muito pouco. A doença o amadureceu...

Aos 32 anos, o artista podia reclamar de um final precoce, mas não de sua intensidade. Fez tudo a que tinha direito. E ao que não tinha, também. Para os simpatizantes, Cazuza era o gênio, o inovador do rock. Para os mais austeros, um devasso. Para a família, o menino que nem bem acabara de crescer e já era arrebatado da vida pela morte.

Cheio de fé, certa feita, ele desabafou: "Fé é o que faz você ter vontade de viver, eu acredito em mim agora." E foi assim, cheio de esperança, que Cazuza alcançou as praças, subiu aos palcos, não se importou com a piedade, a tristeza que impingia aos que o amavam. Valia a luta pela sobrevivência. Batalha que ele, finalmente, perdeu...

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Foto: opovo e historia OITD_19900708bb01.jpg


Cazuza - Vida louca. Vida breve

(AJB) Nas gírias dengosas do Nordeste, Cazuza quer dizer moleque. Não poderia ser outro o apelido de Agenor de Miranda Araújo Neto. Carioca de Ipanema, criado nas celebres "dunas do barato" - por onde circulava, nos anos 70, o baiano Caetano -, Cazuza sempre foi moleque no melhor sentido do termo: gostosamente irresponsável, audaciosamente desbocado, docemente agressivo, demolidor. Era assim mesmo: um moleque mimado, filho único de pai rico, com a relutância de que sempre teve a vida ganha. Foi menino bem comportado, orgulho da mamãe, e adolescente rebelde, expulso do tradicional Colégio Santo Inácio, por falta de modos...

Cazuza só fez vestibular para Comunicação porque o pai João Araújo, superexecutivo da Som Livre, tinha prometido de presente um carro, em caso de aprovação. O pai conhecia de perto a tara do filho por automóveis, mas Cazuza cursou apenas três semanas. Não era o que queria... Ao resolver encarar a arena improvisada do Circo Voador, nas turmas de alunos de Perfeito Fortuna, então ator do Asdrúbal Trouxe o Trombone, viu desvendada sua paixão, o palco. Cazuza ainda faria uma peça infantil, ao lado de Carla Camuratti. Mas só para conhecer o roqueiro Léo Jaime, que o apresentou a uma banda de rock pesado que procurava desesperadamente um cantor: era o Barão Vermelho. Cazuza chegou pianinho, devagar. Mostrou umas tantas músicas de gaveta e acertou em cheio no gosto do parceiro, Roberto Frejat. Estava formada uma das grandes parcerias da trilha sonora dos anos 80.

O estouro veio em 1984, com "Bete Balanço", trilha sonora do filme de Lae Rodrigues, e com "Menor Abandonado". Um ano depois, Cazuza abandonava o "Barão" e partia para carreira solo com o disco "Exagerado". O moleque passou a dar entrevistas desabridas, a falar aos borbotõs. Ato contínuo se confessava a revista Playboy, defendendo bem mais do que o bissexualismo ou a discriminalização da droga, que tantos pediam. Defendia mais. Berrava pelo direito pessoal irrestrito à promiscuidade, a multiplicidade de parceiros...

Quando começaram os boatos de que Cazuza estava contaminado pela AIDS, em setembro de 1987, os conservadores de plantão exultaram. Não era só mais um artista contaminado pela peste do século, mas a própria legenda dos anos 80, o desavergonhado libelo da liberdade que se revelava ferido de morte. Cazuza passaria outubro e novembro internado no New England Hospital, de Boston (EUA). Estava confirmado o diagnóstico sinistro. Na volta, sua receita de vida incluiria alimentação de três em três horas, doses variadas dos caríssimo remédio AZT e uma proibição severa de cair na boemia.

A primeira parte seria cumprida a risca. Largar a boemia, porém era demais. O reverso desta boemia se mostrou na sua febre de trabalho raras vezes vista num compositor. Em dois anos, nada menos do que três LPs com sua assinatura foram lançados no mercado.

Em 1987, veio "Só se For a Dois". Em 1988, foi a vez de "Ideologia" e "O tempo não pára" (gravado ao vivo). No final de 1982, lançou mais dois LPs reunidos no álbum "Burguesia".

Quase até o fim, o moleque Cazuza se declarou portador de "uma camisinha no bolso". Ouça, quem tiver coragem, os versos de Lobão, que servem de epitáfio para o moleque roqueiro dos anos 80: "Vida louca, vida breve/já que não posso te levar/quero que você me leve".

OITD_19900710bb01.jpg(Foto: opovo e historia)
Foto: opovo e historia OITD_19900710bb01.jpg

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