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Contaminados com césio em Goiás correm risco de vida
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Contaminados com césio em Goiás correm risco de vida

A unidade do Instituto Goiano de Radiologia, de onde a esfera metálica foi levada, e que se encontrava desativado há seis meses, não comunicou o fato à Comissão Nacional de Energia Nuclear
A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso teve inicio em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil. (Foto: OPOVO.DOC)
Foto: OPOVO.DOC A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso teve inicio em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.

* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.

 

13 de setembro de 1987

O Diretor de Súde da Marinha, vice-almirante Amihay Burla, a quem está subordinado o Hospital Naval Marcilio Dias, informou ontem que todas as seis pessoas lá internadas desde quinta-feira, devido a contaminação por Césio correm risco de vida. Três delas, porém, estão em situação considerada "gravíssima" e têm poucas chances de sobreviver. São Devair Alves Ferreira , de 33 anos (proprietário do ferro-velho, com grande contaminação interna e externa e lesões na boca e faringe), sua filha Leide das Neves Ferreira, de seis anos (que ingeriu o pó de Césio, ao passá-lo no rosto e nos braços como se fosse purpurina) e Roberto Santos Alves, de 24 anos (um dos que encontrou e violou a fonte radioativa e cujo quadro geral é considerado precário, típico de síndrome aguda de radiação, com queimaduras por todo o corpo).

Segundo o vice-almirante Amihay Burla, é muito dificil estabelecer um período de sobrevida para elas. Ele disse que a morte, se ocorrer, poderá ser dentro de três meses, uma semana ou até mesmo em poucos dias. Os pacientes e seus parentes não estão sendo informados sobre a sua real situação e o risco de vida. Mesmo os que sobreviverem terão futuras lesões, como leucemia, câncer e até mesmo poderão sofrer amputações dos membros mais atingidos, devido a progressão das radiodermites (queimaduras provocadas pela contaminação).

Efeitos da Radiação

A Marinha convocou uma entrevista coletiva no Hospital Marcílio Dias, da qual participaram o Diretor do Hospital contra-almirante Davino Pontual Pinto de Lemos. Porém, só o Diretor de Saúde falou. Ele iniciou a entrevista exibindo "slides" sobre os efeitos em seres humanos de acidentes nucleares e informou que não seria possível entrevistar ou fotografar os contaminados, por estarem isolados e ainda apresentarem grande contaminação. Explicou também que as partículas alfa e beta, os raios gama e a emissão de nêutrons são os principais meios de contaminação radioativa (sendo que os raios gama têm maior penetração e provocam maiores lesões) e exibiu uma tabela mostrando os efeitos biológicos da radioatividade.

 

A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.(Foto: OPOVO.DOC)
Foto: OPOVO.DOC A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.


4 de outubro de 1987

Tchernobyl no Brasil Central - Editorial

O acidente nuclear de Goiânia - o mais grave deste tipo já ocorrido no País - foi uma advertência com dimensões de tragédia.

Dias atrás, um desempregado viu grande esfera de chumbo e ferro nos entulhos de uma clinica radiológica que fora demolida e achou que sua venda poderia lhe render algum dinheiro. Levou-a a um ferro-velho, onde obteve Cz$ 1.500 pelo estranho achado. Estava deflagrado o acidente nuclear, com um saldo de dois pacientes contaminados em estado gravíssimo, outros 17 internados em estado grave, 33 pessoas isoladas e 11 áreas interditadas. É que a esfera continha césio-137, elemento que emite forte radiação e que foi manipulado por diversas pessoas, que ignoravam seu perigo. Hoje elas apresentam fortes queimaduras, queda do cabelo e vomitam bastante.

O acidente caracteriza, de início, uma negligência médica, porque a unidade do Instituto Goiano de Radiologia, de onde a esfera metálica foi levada, e que se encontrava desativado há seis meses, não comunicou o fato à Comissão Nacional de Energia Nuclear. O material radiativo deveria ter sido recolhido a local seguro, enquanto se providenciasse sua devolução ao CNEN. Hoje, porções da bomba de césio-137, destinada ao tratamento radiológico de tumores cancerosos, estão espalhados pela Capital goiana e não se sabe quantas novas vitimas poderão fazer.

Tudo isso gera graves preocupações. Não é que se suspeite do severo controle exercido sobre o material radiativo existente no País. Entretanto, ninguém está seguro de que novos acessos de irresponsabilidade virão a ocorrer ali onde aqueles perigosos elementos são utilizados. E equipamentos como o que foi sucateado em Goiânia já existem por toda parte, transformando-se em ameaça potencial, não obstante serem da maior relevância para determinado ramo da medicina.

É o caso de se promover uma campanha muito ampla de informação sobre o material nuclear. O País ingressou na era da exploração desses elementos e, de um modo geral, a população permaneceu totalmente desinformada sobre a nova realidade. Pelo que se viu em Goiânia, não somente o público precisa estar ciente das precauções a serem tomadas com materiais radiativos, mas também - e principalmente - os próprios profissionais que com eles trabalham. Em Goiás, se conjugaram a irresponsabilidade e a desinformação para resultar nos acontecimentos que agora se lastima.

Ontem, Goiânia; amanhã, não se sabe onde pode ocorrer o próximo acidente. Em Angra dos Reis, onde se construiu nossa primeira usina nuclear, a população está razoavelmente alertada e já sabe até como se comportar em caso de alarme, motivado por um escape acidental de radiatividade. Em Fortaleza, o que aconteceria se, graças à displicência de quem quer que seja, alguns gramas de césio-137 fossem parar no aterro sanitário? Provavelmente, algum catador de lixo, maravilhado com suas cintilações azuladas, o passaria na própria pele, como aconteceu na Capital goiana. Tchernobyl está bem mais próxima de nós do que se imagina.

A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.(Foto: OPOVO.DOC)
Foto: OPOVO.DOC A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.

Polícia busca responsáveis

Goiânia - A Policia Civil goiana ainda não conseguiu achar o "fio da meada" para apurar a responsabilidade pelo acidente com o Césio 137, através de inquérito policial instaurado instaurado na Delegacia Geral de Goiânia. Até agora, ninguém foi chamado a prestar depoimento e, por enquanto, as únicas informações que a Policia possui são as divulgadas diariamente pela imprensa. Enquanto isso, os técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear continuam sustentando que os maiores responsáveis pelo acidente são os proprietários do Instituto Goiano de Radioterapia, por terem abandonado o aparelho de onde foi retirada a peça radioativa, e por não terem comunicado a CNEN a desativação do equipamento.

É possível que o Departamento de Polícia Federal acabe por investigar a responsabilidade pelo acidente. O DPF goiano está esperando apenas uma representação da CNEN para iniciar as investigações e, segundo o superintendente Francisco de Barros Lima, o inquérito poderá ser instaurado com base no artigo 26 da lei 6.453, que prevê pena de dois a oito anos de reclusão aos responsáveis.

Apesar de os técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear repetirem a todo momento que "a situação está sob controle", ainda pairam dúvidas entre a imprensa e a população. A entrevista coletiva concedida ontem pelo Diretor de Instalações Nucleares da CNEN, José de Júlio Rosental, foi um verdadeiro bombardeio.

A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.(Foto: OPOVO.DOC)
Foto: OPOVO.DOC A contaminação com césio-137 em Goiás. O caso aconteceu em 13 de setembro de 1987. Foi o maior acidente nuclear do Brasil.

Sarney autoriza a transferência do césio 137 para a Serra do Cachimbo

Brasília - O presidente José Sarney autorizou ontem a transferência para a Serra do Cachimbo, no Pará, de todo o rejeito atômico do acidente com a cápsula do Césio-137, ocorrido em Goiânia. A informação foi transmitida ao Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Rex Nazaré, pelo Chefe do Gabinete Militar da Presidência e Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional, general Bayma Denys.

Todo o material contaminado será transportado para a serra do cachimbo armazenado em "Conteiners" de concreto revestidos de aço, que segundo o Presidente da CNEN estão sendo fabricados para durar mais de dois séculos. Segundo Rex Nazaré, dentro de 200 anos essas partículas de Césio estarão em 10% de sua atividade inicial. Entretanto, elas somente deixarão de produzir radiação daqui a 800 anos.

Reunidos no Conselho de Segurança Nacional, com o ministro Bayma Denys, o Presidente da CNEN fez um amplo relato sobre o acidente de Goiânia, que considerou "efetivamente sério". Segundo ele, depois de concluído o levantamento aerodiometrico da cidade, 14 pontos estão isolados. "Afora isso não há nenhum risco em Goiânia, a água não está contaminada e nem os alimentos".

 

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