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Tragédia e dor: relaxamento criminoso nas normas de segurança
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Tragédia e dor: relaxamento criminoso nas normas de segurança

12 anos do Incêndio na Boate Kiss, no dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia aconteceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul e provocou a morte de 242 pessoas

* desde 1928: As notícias reproduzidas

nesta seção obedecem à grafia da

época em que foram publicadas.

O País está chocado e comovido com a tragédia ocorrida em Santa Maria, Rio Grande do Sul, quando 233 pessoas - a maioria jovens universitários - morreram durante o incêndio de uma boate. A presidente Dilma Rousseff, que se encontrava em viagem ao Chile, cancelou a programação e retornou ao Brasil para prestar solidariedade às vítimas, enquanto chegam manifestações de pesar de todo o mundo.

Os relatos indicam não apenas a existência de imprudência - um disparo de um sinalizador por um integrante da banda, durante o show, teria dado início ao incêndio - mas, o descaso criminoso em relação à estrutura de segurança (falta de saídas de emergência espaçosas e em número insuficiente), bem como a pouca capacitação dos funcionários (que teriam impedido inicialmente a saída dos clientes pela porta da frente).

Nos últimos 20 anos, dez tragédias semelhantes ocorreram em todo o planeta (inclusive no Brasil), com muitas mortes e feridos. Tais sinistros já deveriam ter sido suficientes para alertar as autoridades sobre a necessidade de medidas preventivas mais rigorosas, como forma de evitar o roteiro de erros (todos de natureza semelhante) que forraram o caminho para o desastre. É inconcebível, por exemplo, a exibição de shows pirotécnicos em ambientes fechados. Isso é elementar, mas tem sido ignorado sistematicamente. Ademais, há falta de rigor no cumprimento de normas de segurança primárias e na exigência de portas de saídas emergenciais amplas e em número suficiente.

Neste momento de dor, ao lado da solidariedade de toda a Nação às famílias enlutadas, cresce o clamor de pais aflitos e temerosos em relação ao futuro reservado a seus filhos, se continuar a desídia das autoridades responsáveis em relação às medidas preventivas de segurança em casas de shows e afins. Eles querem a segurança de que seus filhos poderão se divertir, sem que nenhuma tragédia esteja à espreita para lhes roubar a vida e a alegria de viver.

É preciso que esse triste episódio na terra gaúcha traga não só a punição rigorosa dos culpados, mas estabeleça um novo patamar nessa área, exigindo dos empresários do lazer a noção de responsabilidade ética e social, na exploração de seu negócio, e das autoridades públicas maior zelo no controle dessa atividade.

Mais de duas centenas de jovens mortos

Santa Maria ainda conta seus mortos após o incêndio na boate Kiss, durante o show da banda Gurizada Fandangueira que terminou em tragédia. Até o começo da manhã desta segunda-feira (28), a lista era de pelo menos 233 mortos e 117 pessoas hospitalizadas. Os números que chocaram o Brasil, segundo o Exército, podem aumentar devido o delicado estado de saúde de muitos jovens que sobreviveram queimados ou intoxicados pela fumaça.

A madrugada do último domingo (2h30min) em Santa Maria (RS), cidade universitária localizada a 307 km de Porto Alegre, não sairá tão cedo da memória de gaúchos e outros brasileiros que foram tomando conhecimento pelas redes sociais, rádio e televisão sobre os desdobramento do segundo maior incêndio ocorrido no Brasil. A maior tragédia desse tipo no País foi registrada em 1961, quando 503 pessoas morreram queimadas no Grande Circo Brasileiro, em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro.

Em Santa Maria, o comandante do Batalhão de Operações Especiais, Major Cleberson Bastianello, disse que 90% das vítimas morreram intoxicadas pela fumaça. Segundo o militar, muitos conseguiram sair da boate Kiss, mas centenas ficaram encurraladas e morreram.

Segundo o coordenador da Defesa Civil, Adelar Vargas, o fogo teria começado na espuma de isolamento acústico, no teto. Um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, teria acendido um sinalizador, que atingiu o teto e o fogo se espalhou rapidamente, de acordo com Vargas.

A auxiliar de escritório, Michele Pereira, 34, que estava em frente ao palco no momento em que começou o incêndio, confirma que um dos integrantes da banda acionou um sinalizador.

"A banda que estava no palco começou a usar sinalizadores e, de repente, pararam o show e apontaram (o sinalizador) para cima. Aí o teto começou a pegar fogo, estava bem fraquinho, mas em questão de segundos começou a se alastrar", disse Michele Pereira. No local, havia apenas uma saída de emergência. Os bombeiros tiveram que abrir um buraco na parede da boate para facilitar o acesso e a retirada das pessoas do lugar.

Lotada

O comandante do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, coronel Guido Pedroso de Melo, disse que havia 1.500 pessoas no local, que tem autorização para receber até mil pessoas.

A boate Kiss realizava eventos sem Plano de Prevenção a Incêndio e sem alvará de funcionamento. Os donos da boate, identificados pela Polícia Civil como Mauro Hoffman e Elisandro Spohr, podem ser indiciados por suspeita de homicídio culposo (não intencional) e provocação de incêndio.

O delegado Sandro Meiners disse que um dos proprietários está "sumido" (até o fechamento da edição). De acordo com o secretário nacional de Defesa Civil, coronel Humberto Viana, o documento emitido pelo Corpo de Bombeiros local estava vencido desde agosto de 2012.

Segundo a Polícia Civil, um dos donos da casa prestou depoimento e confirmou que o documento já não tinha validade e que havia pedido a renovação. A prefeitura, que também é responsável pela concessão do alvará sanitário, não quis se manifestar sobre a situação dos documentos.

Comanda

Testemunhas relatam que os seguranças da boate Kiss impediram a saída das pessoas nos primeiros momentos do incêndio . "No começo, só deixavam sair quem pagasse a comanda, pois não sabiam o que estava havendo", disse Murilo Lima que estava no show. O estudante de engenharia Mateus Abadi, 21, revelou que eles (os seguranças), "assustados, barraram um pouco as pessoas. Até que perceberam a urgência e abriram as portas".

"Foi impressionante as pessoas sendo arratadas", relembra Abadi. O estudante conseguiu correr a tempo. "Estava perto da saída com minha irmã, mas um amigo infelizmente morreu", conta.

Uma estudante da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) afirmou ainda que os extintores do local não estavam funcionando. "O pessoal começou a correr e a se pisotear. Chegaram a me falar que havia uma pilha de dois metros de pessoas amontoadas no banheiro, tentando escapar do fogo", relata ela, que não quis se identificar.

A rotina em Santa Maria foi alterada. Equipamentos públicos da cidade funcionaram como locais de socorro. E o Centro Desportivo Municipal, porque o IML não foi suficiente, virou necrotério.

Outra cena chocante, segundo os Bombeiros, foi testemunhar em meio ao amontoado de cadáveres o som dos celulares das vítimas tocando "incessantemente". Provavelmente familiares em busca de notícias de quem foi ao show e não retornava.

Dilma chora tragédia e mobiliza ministérios

Foi por volta das 9 horas (de Brasília) que a presidente Dilma Rousseff soube da tragédia em Santa Maria. Àquela altura, o número ainda era subestimado: cem mortos. Em missão oficial no Chile, ligou para o governador Tarso Genro (PT-RS). Ao desligar, avisou os assessores: "Vamos para lá." Quando foi falar rapidamente com a imprensa ainda em Santiago, antes de voltar ao Brasil, chorou.

"Quem precisa de mim hoje é o povo brasileiro e é lá que eu tenho de estar." E concluiu; voz embargada: "Neste momento de tristeza, estamos juntos". "É um momento de grande tristeza", afirmou. "É uma tragédia para nós todos e eu não vou continuar na reunião (em Santiago) por razões muito claras. Quem precisa de mim hoje é o povo brasileiro e é lá que eu tenho de estar."

Já em Santa Maria, quando chegava ao Ginásio Municipal, onde os mortos foram reunidos, desistiu de se aproximar dos corpos ao ver a comoção das famílias. Chorou pela segunda vez e saiu. Em homenagem às vítimas, decretou luto de três dias.

À tarde, Dilma visitou o Hospital de Caridade, um dos locais que receberam feridos no incêndio. No ginásio, também encontrou-se com parentes das vítimas do incêndio na boate Kiss. Muito emocionada, deixou o local sem falar com a imprensa. Depois voltou a Brasília.

A presidente cancelou três reuniões bilaterais que teria ontem com os presidentes da Bolívia, Argentina e Letônia na capital chilena - onde participava da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia - e pediu aos ministros que ajudem "a minorar as consequências desta tragédia".

A presidente afirmou que o Rio Grande do Sul, Estado onde construiu sua carreira como administradora pública, tem boa estrutura de saúde, mas que deslocará para lá tudo que for necessário para ajudar as vítimas da tragédia.

Ela determinou que a Base Aérea de Santa Maria seja mobilizada para facilitar a transferência de feridos, a chegada de medicamentos, entre outros materiais, e equipes de socorro.

"Há uma mobilização de recursos para que a gente possa fazer não só o resgate dos corpos e também um tratamento muito rápido e muito eficiente para os feridos", declarou a presidente, ao explicar as providências adotadas pelo governo federal.

A prefeitura de Santa Maria decretou luto oficial de 30 dias na cidade. A Universidade Federal de Santa Maria também ficará de luto e suspendeu as atividades no campus por três dias. As aulas serão retomadas quarta-feira.

Tarso Genro afirmou que o governo gaúcho está mobilizado para esclarecer as causas do acidente. "Estamos empenhados em dar o apoio necessário para que tenhamos o levantamento de provas para fazer um inquérito policial de alto nível, para que a gente possa depois, com essas provas, ter um esclarecimento inclusive em relação às causas que determinaram esse evento", disse.

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