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Mangueira chora Nelson Cavaquinho
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A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO

Mangueira chora Nelson Cavaquinho

A Música Popular Brasileira, e o samba em especial, perdia 39 anos atrás um dos seus maiores expoentes. Autor de verdadeiras obras de arte

* desde 1928: As notícias reproduzidas

nesta seção obedecem à grafia da

época em que foram publicadas.

19 de fevereiro de 1986

Mangueira chora Nelson Cavaquinho

O compositor e cantor Nelson Cavaquinho morreu, ontem, aos 75 anos, no Rio, vítima de problemas cardíacos e pulmonares. Integrante da Ala de Compositores da velha guarda da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, ele já estava hospitalizado desde dezembro. Autor de um sem-número de músicas - ele próprio desconhecida o total de suas criações - destacam-se entre elas "Folhas Secas", "Juízo Final", "A flor e o espinho" e "Quando me chamar saudade".

Morre Nelson Cavaquinho, o intérprete da solidão

"Vivo tranquilo em Mangueira porque sei que alguém há de chorar quando eu morrer". esta frase célebre de Nelson Cavaquinho desde a madrugada de ontem tem sido cumprida por seus fãs e admiradores. O compositor, cantor e instrumentista carioca morreu, aos 75 anos, em sua residência no bairro de Jardim América, Rio de Janeiro, vítima de problemas cardíacos e pulmonares. A Estação Primeira de Mangueira que ainda comemora o primeiro lugar conquistado nos desfiles de escola de samba deste ano faz uma pausa para chorar por Nelson Cavaquinho que era integrante da ala de compositores da sua velha guarda.

Autor de um sem-número de músicas ele próprio desconhecia o total de suas criações - era casado há 18 anos com Durvalina Maria de Jesus e já se encontrava hospitalizado desde dezembro último. Seu corpo foi velado em casa e o sepultamento feito no cemitério de Irajá. De suas composições destacam-se "Folhas Secas", "Juízo Final", "A Flor e o Espinho", "Notícias" e "Quando me Chamar a Saudade". Em sua produção artística teve, entre outros, Guilherme de Brito, Elton Medeiros, Cartola, Paulo César Pinheiro e João de Aquino, como parceiros, sem que tivessem, no entanto, qualquer interferência na linha melódica de suas composições.

Um cachaceiro famoso

Há 30 anos, Nelson Cavaquinho era um compositor com um bom número de músicas gravadas, mas inteiramente marginalizado. Apenas alguns cantores como Ciro Monteiro, Roberto Silva, Roberto Paiva e Alcides Gerardi davam importância a ele. Depois, Nelson passou a ser citado por poucos jornalistas e mantinha o mesmo tipo de vida que o levava à marginalização: a boemia de dias e noites seguidas nos botequins de baixa categoria da Lapa e da Praça Tiradentes. Alguns compositores "bem comportados" não entendiam a razão pela qual seu nome servia de tema para jornalistas e perguntavam qual a causa de ser dado tanto prestígio a um cachaceiro.

Aos poucos, o compositor mangueirense foi impondo o seu nome a sua obra a um novo tipo de público composto de estudantes e uma área intelectual interessada em estimular a nossa cultura popular.

Teve música gravada por Nara Leão e Hermínio Belo de Carvalho o levou a gravar com Elizete Cardoso. No início dos anos 70, passou a ter como intérpretes duas das mais expressivas cantoras de samba do Brasil: Clara Nunes (que faleceu dia dois de abril de 1984) e Beth Carvalho.

Para o compositor Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho tirava um som do violão que chegou a impressionar até Turíbio Santos. "Suas introduções são singulares. Qualquer outro sambista dá uma introdução convencional: a terceira do tom, a segunda, a primeira. Nelson não, ele dava uma diminuta, fazia sequência, uns acordes, dava uma volta e caia no tom que queria. A partir daí começava a cantar. Ele não entendia de música, mas sua carga de vivência, somada a seu talento, justificavam suas belíssimas composições".

O homem e a música

Nelson Antonio da Silva nasceu no bairro de São Cristóvão, no Rio, em 28 de outubro de 1911. Seu pai, Brás Antônio da Silva era contramestre da Banda da Polícia Militar e tocava tuba. Aos oito anos passou a morar com a família na Lapa, frequentando a escola primária Evaristo da Veiga. Abandonou o curso primário para trabalhar. Em 1928, mudou-se para uma vila operária na Gávea, onde passou a tocar cavaquinho nas rodas de choro dos empregados da fábrica de tecidos local, logo recebendo o apelido de Nelson Cavaquinho. Nessa época começou a compor alguns choros e, por influência do pai, ingresso, em 1930, na Polícia Militar. Casou no ano seguinte e foi morar no subúrbio de Brás de Pinha, mas, sua vida boêmia levou-o a separar-se da mulher.

Frequentador assíduo dos redutos de samba do morro, trocou o cavaquinho pelo violão que ficou caracterizado pelo jeito especial de tocar. Com a mão direita beliscava as cordas e utilizava apenas os dedos polegar e indicador. Envolvido cada vez mais com o samba e a boêmia, tornou-se companheiro de Carlos Cachaça, Zé da Zilda e Cartola. Deixou a Polícia, por volta de 1938, começando a trabalhar como pedreiro. Nessa época conheceu Neli, com quem teve quatro filhos. Seu primeiro samba foi "Entre a cruz e a espada" e o primeiro gravado, "Não faça vontade a ela", com Rubens Campos e Henricão.

Nelson Cavaquinho foi definido de diversas formas e pelos mais distintos tipos de pessoas. Enquanto uns o viram apenas como um cachaceiro que "batia" violão, outros peneraram seu valor cultural e o enquadraram como um homem que vivia em estado de poesia. "Tome um homem seu violão, cante ele pelas ruas como um antigo trovador da Idade Média a beleza das flores, na efemeridade da vida e angústia metafísica da morte, e esse será o retrato de Nelson Cavaquinho. Com sua cabeleira branca, seu permanente ar de dignidade e a sua voz enrouquecida por muitos anos de cervejas geladas,o que ele cantava, fazendo percutir, mais que dedilhando, as cordas do seu violão, era a saga de um homem.

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