
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.
10 de maio de 1994
Delegações do mundo inteiro comparecem hoje a Pretória, na África do Sul, para assistir à posse de Nelson Mandela, como primeiro presidente negro do país. A vitória esmagadora do Conselho & Nacional Africano, partido do -líder empossado, enterrou de forma estrepitosa o último regime racista do Planeta, recuperando La dignidade do povo negro sul-africano, até bem pouco tempo negada pela minoria branca.
O mundo não se cansa de exaltar a epopéia de Nelson Mandela, cuja vida inteira foi dedicada a um único objetivo: libertar o seu povo de uma tirania longa e cruel. Em nome desse ideal passou 27 anos na prisão, sem render-se jamais às pressões de toda ordem para abandonar a luta. Sua estatura moral projetou-se como uma arma demolidora que, pouco a pouco, foi minando a aparente solidez do sistema racista, alimentando a fé de milhões de oprimidos (exilados em seu próprio país), num futuro melhor, de dignidade e liberdade. Sua perseverança manteve a chama da esperança de seu povo, quando tudo parecia conspirar contra seus ideais. Graças a essa persistência, seus liderados tiveram força para prosseguir uma guerra desigual contra um exército poderoso e sofisticado, que nunca deixou de receber armamentos, mesmo quando, aparentemente, as potências ocidentais resolveram isolar o regime.
Os anos escoaram-se lentamente, a juventude foi dando lugar à maturidade, e à velhice, sem que Nelson Mandela desse sinais de sucumbir ao desânimo. O povo sabia que por trás daqueles altos muros, confinado numa cela inalcançável, um coração batia incessantemente a seu favor, espargindo energia e confiança na vitória que, para muitos, se apresentava como loucura de um visionário. Muitas vidas ainda iriam ser sacrificadas, muitas lágrimas escorreriam até que um dia o mundo compreendesse que era chegada a hora do basta à insanidade e à brutalidade de um regime odioso.
Foi preciso esperar que o Muro de Berlim viesse abaixo e o mundo deixasse de ser o tabuleiro de xadrez onde dois sistemas mundiais antagônicos enfrentavam-se sem descanso. Só então foi possível enxergar o absurdo de uma lógica que exigia a parceria do regime racista na luta contra o "perigo comunista". A Guerra Fria foi o guarda-chuva protetor dos nazistas sul-africanos e em seu nome as democracias ocidentais fecharam os olhos à barbaridade dos afrikaaners.
Nelson Mandela acompanhou passo a passo o desmoronamento da hipocrisia predominante na política dos 7 Grandes, em relação ao seu povo, e nem por isso transformou-se num homem amargurado e dominado pelo ódio. Bem ao contrário, as palavras de serenidade e conciliação brotam hoje, de seu coração, numa expressão de grandeza que o torna uma das figuras mais dignas do cenário político mundial. Sem o carisma de sua liderança, certamente estaríamos testemunhando uma vindita sem igual, resultante de décadas de opressão e humilhação. A minoria branca seria trucidada. Por ironia da história é justamente esse homem que foi a maior vítima da prepotência racista, o escudo protetor sob o qual se abriga seus antigos opressores para escapar a uma retaliação temida.
Nelson Mandela soube compreender que a África do Sul precisa, antes de tudo, de reconciliação e unidade para realizar a gigantesca tarefa de construção nacional. É preciso vencer, inclusive, os ódios intertribais, estimulados durante o longo domínio branco, como forma de enfraquecer os negros.
A responsabilidade histórica das grandes potências não pode ser escamoteada, nesta hora, e a melhor forma de reparar o erro cometido é apoiar a jovem nação, dando-lhe todos os recursos possíveis para a sua arrancada como novo membro da comunidade democrática mundial.
Nelson Mandela foi oficialmente eleito ontem o primeiro Presidente negro da África do Sul, pelo voto unânime de um novo Parlamento do qual fazem parte ex-presos políticos e membros do regime branco que os encarcerou.
Operários, líderes sindicais comunistas e ex-guerrilheiros formam com empresários conservadores brancos, agricultores africaneres e ex-militares a Assembléia Nacional da Cidade do Cabo, onde os primeiros colonizadores brancos desembarcaram em 1652 para dar início a três séculos de dominação branca na África do Sul. O sistema de segregação racial conhecido como "apartheid" chegou ao fim com a eleição de 26/29 de abril, a primeira a ter a participação da maioria negra do país e na qual o Congresso Nacional Africano, de Mandela, obteve 62,7% dos votos.
O Partido Nacional, que instituiu o "apartheid", e seu líder, Frederik De Klerk, que negociou o fim do sistema racial, receberam um quinto da votação e serão parceiros menores num governo de unidade nacional. Conquistaram também mandatos no novo Parlamento os nacionalistas zulus do Partido Inkhata da Liberdade, a Frente Liberdade, separatista, e o Congresso Pan-Africanista, que em certas ocasiões usou em sua campanha a palavra de ordem "a cada colonizador uma bala".
Mandela foi o único a ter seu nome indicado para presidente na primeira sessão do Parlamento. Todos os 400 parlamentares e centenas de convidados aplaudiram de pé quando o presidente da Corte Suprema, Michael Corbett, proclamou Mandela "Presidente da República da África do Sul". Mandela presta juramento hoje no Gabinete presidencial em Pretoria. Dezenas de chefes de estado e outros dignitarios já se encontram na África do sul para assistir à cerimônia.
Do novo governo de unidade nacional chefiado por Mandela farão parte De Klerk, que será um dos dois vice-presidentes, e vários membros governo do Partido Nacional, dominado por brancos, entre eles o Ministro das Finanças, Derek Keyes.
Mandela declarou em seu primeiro pronunciamento público após a sessão do Parlamento que tinha compromissos com a reconciliação e a paz, e que seu governo trabalharia por uma vida melhor para todos os sul-africanos. O homem que durante décadas foi símbolo da luta contra a segregação racial aceitou o mais alto cargo político de seu país a pouca distância de Robben Island, a infamante prisão no litoral da Cidade do Cabo, onde cumpriu grande parte de sua sentença de 27 anos de prisão por combater o "apartheid".
"Estamos hoje entrando numa nova era, a era da África do Sul pela qual lutamos", disse Mandela a dezenas de milhares de partidários do balção da Prefeitura da Cidade do Cabo, o mesmo lugar de onde falou ao público pela primeira vez após ter sido solto de Robben Island, em 1990.
11 de maio de 1994
Nelson Mandela prestou ontem o juramento que o tornou o primeiro Presidente negro da África do Sul, prometendo curar as feridas de décadas de luta contra o domínio branco e construir uma vida melhor para todas as raças numa nova nação. Mandela assumiu o cargo às 12h 17min. (7h 17min. em Brasília), numa cerimônia realizada em Pretoria, capital administrativa da África do Sul, com a presença de chefes de estado e altas figuras governamentais de mais de 150 países.
Milhares de sul-africanos concentrados no gramado em frente ao prédio presidencial aplaudiram Mandela entusiasticamente e soltaram fogos para celebrarem o fim do "apartheid". O novo Presidente, que passou 27 anos na prisão por causa de sua oposição ao "apartheid" chamou a transição para a democracia de "uma vitória comum para a justiça, a paz e a dignidade humana".
"Chegou a hora de curarmos as feridas", acentuou Mandela em seu discurso de posse. "Chegou o momento de acabarmos com os abismos que nos dividem. A hora é de construirmos", disse, prosseguindo. "Conseguimos, afinal, nossa emancipação política. Prometemos libertar todo o nosso povo da continuação do cativeiro da pobreza, das privações, dos sofrimentos, da discriminação racial e de outras discriminações".
Mandela disse que seu governo de unidade nacional, que inclui como segundo vice-presidente o ex-Presidente Frederik de Klerk, que negociou o fim da política de "apartheid" de seu Partido Nacional, protegerá os direitos dos sul-africanos de todas as raças. Uma de suas primeiras tarefas, anunciou, será a concessão de anistia para alguns presos. "Nunca, nunca, nunca mais esta bela terra experimentará novamente a opressão de um pelo outro", frisou Mandela, sob aplausos.
O Presidente da Corte Suprema da África do Sul, Michel Corbett, administrou a cerimônia de juramento, na qual Mandela jurou "promover a tudo que proporcione avanço e opor-se a tudo que possa prejudicar a República, e devotar-se ao bem-estar de todo o seu povo". Tambem prestaram juramento o ex-Presidente branco Frederik de Klerk e Thabo Mbeki, presidente do Congresso Nacional Africanos, ambos vice-presidentes do governo de unidade nacional.
Em seu discurso para a multidão, Mandela considerou de Klerk como "um dos maiores reformistas, um dos maiores filhos do nosso sólo" e disse que seu governo combinará líderes brancos e negros que trabalharão juntos para reconstruirem a África do Sul. Passando do inglês para o afrikaans, a língua da antiga classe governante branca, Mandela disse à multidão: "Esqueçamos o passado. O passado é o passado. Trabalhemos agora para construirmos uma grande nação".
12 de maio de 1994
O presidente sul-africano-Nelson Mandela indicou ontem Mangosuthu Buthelezi, Presidente do Partido da Liberdade Inkatha, nacionalista zulu e rival de seu Congresso Nacional Africano, para o importante cargo de Ministro de Assuntos Interiores, completando o governo de unidade nacional.
O novo Gabinete, que tomou posse e reuniu-se pela primeira vez na tarde de ontem, depois de dias de negociações e trocas sutis, tem 20 membros do CNA, sete do Partido Nacional, que governou a África do Sul até as eleições, e três do Inkatha. Há também 12 vice-ministros, oito dos quais pertencentes ao CNA, três ao Partido Nacional e um ao Inkatha.
Houve poucas surpresas na composição do Gabinete divulgada em Pretoria. A maioria dos indicados já havia sido anunciada extra-oficialmente por seus partidos nos dias que antecederam a posse de Mandela, acontecida terça-feira.
A África do Sul deverá ser atendida em seu pedido para ser readmitida na Comunidade Britânica, formada por ex-colônias da Grã-Bretanha, anunciou ontem o Chefe da Organização. Emeka Anyaoku, Secretário-Geral da Comunidade, disse ter se encontrado com o presidente Nelson Mandela e o novo ministro do Exterior, Alfred Nzo, que lhe confirmaram o desejo do país de voltar a pertencer ao grupo.
Um tribunal da África do Sul condenou ontem à morte seis membros do neonazistas Movimento de Resistência Afrikaner, pelo assassinato de quatro negros em dezembro do ano passado. O Afrikaner se opõe ao fim do Apartheid.
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