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OS PAPÉIS ENCONTRADOS EM UM SEBO DE NOTTING HILL VÃO DECIDIR OS FUTUROS TERRITÓRIOS DO PIAUÍ E DO CEARÁ
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

OS PAPÉIS ENCONTRADOS EM UM SEBO DE NOTTING HILL VÃO DECIDIR OS FUTUROS TERRITÓRIOS DO PIAUÍ E DO CEARÁ

Os papéis encontrados em um sebo de Notting Hill vão decidir os futuros territórios (e o PIB) do Piauí e do Ceará. Piauí diz que a troca de Crateús pelas praias de Parnaíba é um mito cearense
Notting Hill, Londres (Foto: Reprodução/ Adobe Stock)
Foto: Reprodução/ Adobe Stock Notting Hill, Londres

A disputa de três séculos entre Piauí e Ceará pela definição das fronteiras entre os dois estados pode ser mais séria do que uma partida entre Ceará e River. A área em litígio, na Serra da Ibiapaba, tem quase 3 mil km² e passa por 13 municípios cearenses, sim, é uma área extremamente rica onde está parte da economia: o que está em jogo é, segundo avaliação de Sílvio Carlos Ribeiro, titular da Secretaria Executiva do Agronegócio, da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE), uma fatia de pelo menos 30% do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola do Ceará.

"O polo da Ibiapaba é fundamental e estratégico pelo valor que representa na produção agrícola no Estado. É lá que está a maior parcela do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) do Ceará. É muito maior do que o do Baixo Jaguaribe, por exemplo. Perder aquela área equivale a uma perda grande na nossa produção, na geração de empregos e no potencial para crescer com diversos projetos que estão chegando lá", afirma.

Em 2011, a Procuradoria-Geral do Piauí entrou com uma Ação no Supremo Tribunal Federal reivindicando a definição dos limites entre os estados.

Para entender esse questionamento é necessário voltar a 1880, antes do Brasil se tornar República, quando um decreto imperial determinou a atual fronteira oficial entre Piauí e Ceará. Nesse documento, o Império "cedeu" ao Ceará as áreas que hoje são alvo do litígio e, em troca, o Piauí teria a saída para o litoral. Mas, segundo o historiador Eric Melo, tanto o litoral piauiense quanto a Serra da Ibiapaba haviam sido ocupadas pelo Ceará.

Representantes do Piauí conseguiram nos arquivos portugueses um documento ainda mais antigo, do ano de 1770, que comprovaria que a coroa portuguesa havia concedido à administração que viria se tornar o estado do Piauí, a área em disputa.

Já a Procuradoria-Geral do Ceará apresenta outra versão. O Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais argumenta que documentos, também obtidos em arquivos de Portugal, colocam em xeque a versão do Piauí, tanto sobre a ocupação do litoral, quanto da Serra da Ibiapaba. Uma Carta Régia, de 1720, teria determinado que "toda a terra que fica em cima da Serra", pertenceria aos habitantes da, então, "capitania do Siará-Grande".

Na verdade, essa disputa é uma "herança" deixada pela colonização portuguesa a partir da ocupação jesuíta.

A batalha jurídica acontece entre as procuradorias jurídicas dos dois estados.

O curioso é que o historiador que faz parte da comissão que defende o Piauí diz que uma história que escuto desde minha infância contada por meu pai (que torcia por Parnaíba, diga-se de passagem, pois lá dirigiu o famoso Colégio São Luiz Gonzaga) de que o Ceará trocou o município de Crateús pelas praias da Paraíba não passa de mito cearense.

"Antigamente, se dizia que o litígio havia surgido de uma 'troca' entre Piauí e Ceará, que dera o litoral do Piauí. Na verdade, o Ceará invadiu o litoral do Piauí e, em 1880, Dom Pedro II assinou um decreto obrigando a devolução desse litoral", explica o pesquisador Eric de Melo.

Até aqui, muita gente já acompanhou essa pendenga, mas, um novo conjunto de mapas assume papel central na argumentação do estado do Piauí.

O novo capítulo conta com a incorporação de evidências cartográficas históricas, que podem ser decisivas para a resolução do conflito.

A revelação de dois mapas antigos, encontrados num sebo em Notting Hill por Nelson Nery Costa, professor da Universidade Federal do Piauí, trouxe luz sobre a visualização geográfica passada de Piauí e Ceará. Apenas um dos mapas foi oficialmente anexado aos documentos do processo, mas seu conteúdo pode ser decisivo. Essas cartografias destacam as serras como divisores claros, mostrando que o limite oriental pertence ao Ceará e o ocidental ao Piauí.

Os mapas encontrados num lugar chamado Notting Hill, tema de uma comédia amorosa clássica, que traz o romance entre William Thacker (Hugh Grant), o dono de uma livrariazinha que fica em Notting Hill, e a paixão nascida ali por uma famosa atriz americana interpretada por Julia Roberts, podem decidir a parada no Supremo.

Eu sempre achei que um velho sebo pode revelar muito mais coisas do que podemos, à primeira vista, imaginar.

Jessé versus Chico Bosco (o Olavo de Carvalho de bermudas)

Francisco Bosco, filho do grande João Bosco, maitre à penser da Globo, disse em uma entrevista ao jornalão de direita O Estado de São Paulo: No fundo, a universidade no Brasil está sob suspeita, por boas e más razões. As boas razões dizem respeito ao fato de que, durante as últimas décadas, a universidade brasileira concentrou excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda. Eu estudo, por exemplo, um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo frequentemente, sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto. Então, a palavra 'intelectual' hoje é vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica. Esse é o lado correto. O lado incorreto é que, normalmente, os grupos políticos 'intelectofóbicos' não trabalham com argumentos e usam fake news. Então, a alternativa à elitização do debate intelectual não pode ser a ignorância e a má-fé. A alternativa tem que ser a pluralidade ideológica".

Jessé de Souza, meu amigo, portanto declaro aqui que sou suspeito nesta querela, criticou no seu blog o filhote da MPB:

"Francisco Bosco tira onda de quem está acima das querelas políticas. Ele defende a "pluralidade ideológica" da qual ninguém sensato poderia ser contra. Só que não como o povo diz. O cerne do seu argumento, retirado do pseudointelectual Olavo de Carvalho, é que a universidade brasileira estaria sob influência da esquerda e deveria ter os grandes autores conservadores do mundo também, mas, diz ele, só teria hoje a esquerda representada.

Bobagem maior de se dizer, caros amigos, é impossível. Sim, a universidade brasileira, que faz, diga-se de passagem, um trabalho indispensável elevando o padrão civilizatório do país onde quer que se encontre e evitando a barbárie até agora, pode e deve ser criticada e melhorada também.

Porém, a nossa universidade nunca foi de esquerda, e os consensos fundamentais que a regem são princípios conservadores, liberais, e, no limite, racistas, apesar de tirarem onda de que está se fazendo crítica social".

Briga boa.

Mas a ingenuidade epistemológica e política de Bosco é evidente.

A exceção de dois ou três cursos da área de humanidades, a Universidade Brasileira é bastante representativa da média das posições políticas.

Eu lembraria a Bosco ainda que o conceito de intelectual nasceu na França com o caso Dreyfus, que deu, como disse eruditamente George Steiner "ao substantivo intelectual o seu ancilar "lerc" um estudioso leigo - seus significados modernos e sua divulgação".

O drama começou em dezembro de 1894, quando o capitão Alfred Dreyfus foi condenado por traição. Dreyfus era um oficial da artilharia francesa da Alsácia, de 35 anos, de ascendência judaica. Ele foi condenado à prisão perpétua por supostamente comunicar segredos militares franceses à Embaixada da Alemanha em Paris, e foi preso na Ilha do Diabo na Guiana Francesa, onde passou quase cinco anos.

Em 1896, as evidências vieram à tona que o verdadeiro culpado seria um major do Exército francês chamado Ferdinand Walsin Esterhazy. Quando oficiais militares de alto escalão suprimiram as novas evidências, um tribunal militar absolveu Esterhazy por unanimidade após um julgamento que durou apenas dois dias. O Exército apresentou acusações adicionais contra Dreyfus, com base em documentos falsos.

A carta aberta de Émile Zola, a famosa J'Accuse, criou um movimento crescente de apoio a Dreyfus, pressionando o governo para reabrir o caso.

O caso dividiu a França em Dreyfusards pró-republicanos, anticlericais e pró-Exército, principalmente católicos "anti-Dreyfusards".

Parece o debate do Brasil hoje? Parece. E de que lado ficou Chico Bosco?

Meus filmes, meus livros, meus discos, e nada mais

1. Um grande filme permanece na cabeça por dias, meses, anos. "Dias Perfeitos", de Wim Wenders, é sobre a beleza da rotina cotidiana e ressurge no meu dia a dia há mais de duas semanas.

2.Também não me canso de ouvir, o quinto CD de Mariana de Moraes, "Brisa do Mar". A música título, de Abel Silva e João Donato, é a minha trilha sonora no momento. Mariana é filha do meu amigo Pedrinho de Moraes, grande fotógrafo que passou uma temporada homérica (atentem, pois o adjetivo não é fortuito) como professor do Instituto Dragão do Mar, e era uma alma boa e generosa. Mariana é também neta do grande Vinicius de Moraes.

3.Amizade, competição, amor e ódio entre intelectuais é um clássico do campo cultural. O livro "Benjamin e Brecht - História de uma amizade" (Edusp) é um tratado para se entender o pensamento e a relação entre os dois pensadores centrais, na primeira metade do século XX. Havia uma ideia predominante de que Benjamin era uma vítima do intenso poder de fogo de Brecht. O livro de Erdmut Wizisla mostra, através da correspondência entre os dois, que não foi bem assim e detalha os contornos de uma amizade estreita. Claro que, apareceram na relação formas características das duas dimensões de cada um deles, a pessoal e a intelectual, justamente por isso o livro se torna mais rico pois mostra, nas palavras de Benjamin, a liberdade de justapor ideias e coisas consideradas inconciliáveis.

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