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Alegria e luto
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Alegria e luto

A história de uma amizade improvável Ut que sitaqui quoditio. Ut es disit, que serum quis sant explanda
Preto Zezé relembra fase nos anos 1990, quando pastorava carro pela Capital  (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Preto Zezé relembra fase nos anos 1990, quando pastorava carro pela Capital

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Vou começar com uma storytelling. Para alguns dos meus leitores mais desligados (às vezes digo que são dois ou três, às vezes que são perto de 50 mil, é uma margem de erro ampla que varia de acordo com meu humor e minha autocomplacência, mas as pesquisas dizem que a segunda é a mais provável) que não acompanham as modinhas de palavras em inglês, vou traduzi-la: é a arte de contar, em poucas palavras, uma boa história.

A minha história aconteceu há exatos 34 anos, era 1990, em Fortaleza.

Um jurista e deputado estacionou seu carro no centro e um garoto pretinho franzino cuidou de vigiá-lo e até lavá-lo.

Na volta, o dono do carro, cuidadosamente, trouxe uma comida para o zeloso guardador.

Então, deu-se o seguinte diálogo.

- Não quero comida. Preciso de dinheiro.

- Abusado.

-Sou trabalhador, não abusado. Preciso de um emprego.

- Taqui, meu cartão. Quer mesmo trabalhar? Me procure. Vou lhe arranjar um emprego.

Depois de algumas idas e vindas o emprego virou realidade.

- Achei que era promessa de política. Papo furado. Mas era verdade.

O pretinho virou Preto Zezé e hoje é um dos maiores ativistas brasileiros na luta por igualdade racial e um olhar mais atento dos poderosos para as periferias brasileiras. Quantos pretinhos como ele precisam trabalhar e não temos políticas públicas capazes de lhe abrirem portas? Ele está todo domingo nas telinhas sintonizadas na Globo. Articula eventos culturais como o especial na casa de Zeca Pagodinho. Quem não viu, procure ver no YouTube. Foi muito divertido. E viaja o mundo abrindo portas para o povo pobre e preto deste país.

O Bigodão se tornou conselheiro do TCE e professor de direito e nesta semana foi tirar uma soneca e não acordou mais. Era Alexandre Figueiredo.

A história dessa amizade improvável foi contada pelo próprio Preto Zezé no seu instagram (e vou reproduzir aqui, na íntegra, pois é tocante na sua sinceridade).

Alexandre tinha um bigodão, um vozeirão e um coração imenso.

Um dia qualquer da minha vida eu andava com meu pai e encontrei Alexandre. Ele ficou tão feliz por encontrar o primo querido que me comoveu e nunca mais esqueci. Papai adorava o primo do bigodão. E o bem querer de papai tinha um senso de justiça e desprendimento que quem o conheceu, lembra. Se ele gostava muito, era porque era uma boa pessoa. Não tinha nenhum pragmatismo nesse bem querer.

Estou contando essa história para fazer o luto de um parente querido. E para fazer justiça a esse menino trabalhador que se transformou numa das figuras públicas mais respeitadas do Brasil de hoje, não sem antes comer o pão que o diabo amassou na Fortaleza Bárbara.

ALEXANDRE Figueiredo, 66, foi empossado no Tribunal de Contas do Ceará em 1995(Foto: Divulgação/Tribunal de Contas do Estado do Ceará)
Foto: Divulgação/Tribunal de Contas do Estado do Ceará ALEXANDRE Figueiredo, 66, foi empossado no Tribunal de Contas do Ceará em 1995

A história foi contada assim pelo próprio Preto Zezé no seu Instagram.

Meu amigo, nossa história começou nas ruas, pra ser exato em 1990, numa madrugada quando eu ainda pastorava carros em Fortaleza. Franzino, meu apetite de sair da miséria era maior que qualquer coisa.

Você me trouxe comida como pagamento da lavagem do seu carro, eu recusei e disse que vc tinha que pagar. Vc me chamou de abusado, eu disse que era trabalhador e queria um emprego. Ah, eu dirigi ele escondido sem ter carteira e nada.

Você me disse que ia arrumar, me deu seu cartão. Você era deputado, depois vim saber tucano de bico duro, mas descobri também que tinha coração mole, depois de 11 vezes de idas e vindas perdidas, lembro quando te encontrei a décima segunda eu debochei, político nunca cumpra palavra.

Vc com seu tom ímpar, voz grave e autoridade do seu bigodão, me indagou se eu estava pronto pra trabalhar. Não tinha nada a perder, respondi que sim.

Assim sem você saber, salvou minha vida , pois grande parte dos amigos da época morreram, outra parte foi presa, e eu sobrevivi graças a você para contar a história que eu registrei no meu livro.

Estou longe de casa, na Europa, quem diria, das ruas para o mundo, estava em meio a um festival quando recebi a notícia da sua partida.

Tudo parou, parou o som, as pessoas, o tempo!

Eu olhei distante entre o os raios do sol e o céu, amigos próximos perguntaram o que tinha ocorrido, meu olhar estava longe, como quem te observava vc se despedindo.

Eu ouvi o som em volta tudo ao longe, na minha mente suas piadas, seus conselhos e seus cagaços. Como aquele quando, mesmo depois de ter emprego, eu estava na rua e você disse que ou a rua ou o emprego. É lógico, escolhi o emprego.

Eu estava mergulhando numa tristeza sem fim, como se perdesse um parente, mas depois de umas horas decidi que que é assim que vou lembrar pra sempre de você, com gratidão pela minha vida e com orgulho da sua caminhada. Pois de tudo que ocorre em minha vida, das lágrimas derramadas e dos muros de realizações, você tem gotas e tijolos nesse mosaico de conquistas e vitórias.

Meu muito obrigado, meu abraço na sua família, pessoa na dona em Vanda extenso a todos que te amam e te tem carinho.

Um dia a gente vai se encontrar! Descansa em paz!

A SEMANA EM QUE O BRASIL CAIU NA REAL

Alguns colunistas amestrados pelo tal mercaduuuuuuu dizem que essa semana o governo caiu na real, pois segundo ele Lula admitiu que precisa cortar gastos.

Lula não disse nada disso. Muito pelo contrário. Disse que precisamos cortar o bolsa empresários, os subsídios (são 600 bi por ano) e que de maneira nenhuma o povo mais pobre vai pagar a conta do ajuste fiscal.

As manipulações da mídia de rabo preso com o mercaduuuuu não são novidades, mas essa semana elas atingiram níveis inimagináveis na defesa deste medíocre chamado Roberto Campos. O novo bezerro de ouro da Faria Lima.

O avô era um reaça ilustrado, deslumbrado com os Estados Unidos, mas culto, beberrão e mulherengo. A turma do Pasquim o chamava de Bob Fields pelo seu deslumbramento com os Ianques. O neto é um semi-analfa, candidato a sucessor do pior aluno da Universidade de Chicago.

Lula, como sempre genial politicamente, desmoralizou a tal " independência" do banco central mostrando a molecagem do Presidente do BC ir a um jantar de bolsonaristas em sua homenagem.

Mas essa semana três processos semiológicos, sinais perceptíveis de transformações no cenário, surgiram apresentando novas leituras possíveis na opinião pública.

A pesquisa Datafolha mostrou Lula avançando de três a cinco pontos sobre as menções negativas. Enquanto a mídia conservadora fazia um carnaval imenso da imagem de Lula, ele começava a virar o jogo. Como sempre o mercaduuuuu fazendo projeções catastróficas amplamente ampliadas pela Mídia e a economia sinalizando exatamente o contrário: crescimentos surpreendente, aumento da renda real do trabalhador, emprego crescendo. Lula deu uma daquelas entrevistas baile como nos velhos tempos à CBN e a checagem do Globo da sua fala não teve nenhum falso. É tudo, verdade, Orson Welles. E vejam que no outro dia, o carnaval foi imenso pois tinha reunião do Banco Central e eles exigiam unanimidade na manutenção de juros altos para o dólar não subir mais ainda.

Uma graça do tamanho da garça (atenção revisor do google, uma tem r, e outra, não) encontrada em Viçosa (A garça era da família Ardeidae e tinha aproximadamente 125 centímetros e 1,80 metros de envergadura).

O campo da extrema direita deu sua maior bola fora na opinião pública com o fracasso da PEC dos estupradores. Lira, que a tirou da gaveta na sua tradicional tática de bombas de efeito político, tratou de botar o rabo entre as pernas. Como o Bob Fields, Neto, seu tempo está acabando. Esse fracasso de opinião pública com direito a sessãozinha vergonhosa de dramaturgia vagabunda capitaneada pelo nosso senador Girão, mostrou o tamanho exato da força da pauta de comportamento da Extrema Direita evangélica. Lembro aqui, sempre que posso, que o Brasil ainda é um país essencialmente católico nas suas tradições culturais, e a ética católica é comunitária e não individualista. Precisamos entender o individualismo pentecostal, sim. Mas não podemos abandonar o imenso eleitorado católico do país deixando-o ir na onda da extrema direita.

A pesquisa do Rio de Janeiro mostra Eduardo Paes com 51% contra o Policial Ramagem com 11% mesmo com o apoio da família Buscapé. Paes está mostrando o caminho das pedras. Em grotões onde eles dominavam aliados as milícias (como sempre) ele fez obras estruturantes e virou o jogo. Ainda é muito cedo para cantar vitória, mas precisamos olhar de perto as estratégias bem sucedidas de combate a aliança milícia/tráfico antes de simplesmente se render a um discurso truculento.

Enfim, há uma luzinha acesa, tênue, é verdade, no fim do túnel e essa coluna de hoje poderia também se chamar "Notas sobre a mudança de uma cultura política".

Bom domingo.

 

Foto do Paulo Linhares

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